Sejas tu rico ou pobre, é fato — ainda que tu o ocultes — que não desejas que teu filho vá à universidade para estudar Geografia, Letras ou Jornalismo.
sexta-feira, 15 de dezembro de 2023
quinta-feira, 14 de dezembro de 2023
Rapidinhas 14 e 15
#14
Esqueçam aquele clichê segundo o qual, se uma catástrofe extinguir a humanidade, somente as baratas sobreviverão. Sim, é claro que elas sobreviverão, mas com elas sobreviverá também o capitalismo.
Afinal, a julgar pelo avanço acelerado da inteligência artificial, pelo nível de automação cada vez maior das fábricas de hoje e pelo que se prevê para as técnicas de produção no curto e médio prazo, se ninguém apertar o botão DESLIGAR, as fábricas continuarão funcionando, com robôs produtores e fabricadores controlados por outros robôs; a própria bolsa de valores será operada por robôs.
E com certeza as ações mais negociadas e valiosas serão as da SkyNet...
#15
"Não se traduz nome próprio" — disse cheia de certeza a fedelha recém-saída das fraldas e especialista em tudo na Internet.
Não respondi nada. Recolhi-me a minha insignificância.
Aliás, ela deve estar certa. Deve ser por isso que, nas Bíblias em português, o primeiro livro do Novo Testamento se chama "O Evangelho segundo São Matthew"...
Busologia #3: Desconstruído
Eu estava esperando para embarcar no ônibus da universidade. Sempre entro por último, mesmo que tenha sido o primeiro a chegar à parada. Não há fila de embarque, e quando o ônibus encosta, junta-se um bolo de gente em frente à porta para entrar. Evito essa muvuca.
Quase todos já tinham entrado, e a pessoa na minha frente era uma aluna indígena. De repente apareceu um rapaz, um estudante jovem, talvez calouro, com mochila nas costas, vindo não se sabe de onde; ele não interrompeu o ritmo da marcha nem se importou com quem já estava ali: aproximou-se do carro e entrou, passando à frente da aluna que ia entrando.
A aluna não se importou com a furada de fila. Eu sim, mas meu espanto durou pouco. Que exemplar extraordinário! Que oportunidade eu tinha ali de observar "in loco" um verdadeiro macho desconstruído!
Sim, senhor! Desconstruidíssimo, o que ficou evidente por sua postura contestatória contra as imposições burguesas de ordenamento social. Afinal, marcação de tempo, relógios, cronômetros, cartões de ponto, catracas, crachás, filas etc. nada mais são do que ferramentas de controle usadas pela classe dirigente para submeter o povo. O cidadão macho desconstruído não respeita essas coisas.
E também não se preocupa em permitir que mulheres embarquem antes, mesmo que seja a vez delas. Mulheres primeiro? Por quê? Isso é cavalheirismo, uma ideologia patriarcal e machista que trata as mulheres como seres frágeis e dependentes do cuidado e proteção dos homens.
Abrir a porta do carro? Deixar a mulher entrar antes? Puxar a cadeira? Pagar toda a conta ou parte dela? Para o macho desconstruído, a mulher é uma igual, logo nada mais é que uma concorrente por recursos e serviços — inclusive o uso do ônibus universitário.
(Já o fato de ele ter passado à frente de uma mulher indígena é um mero detalhe que devemos relevar... Mas que não se repita, hein!)
E não se pense que o rapaz era estudante de Letras, Geografia, História ou outra das ideológicas Ciências Humanas. Nada disso: a julgar pela camiseta, ela era aluno das Exatas, mais precisamente de Engenharia, o que mostra que o desconstrutivismo deixou de ser típico das Ciências Inexatas e já invadiu as Desumanas...
É o mundo em mudança, meus camaradas, e as perspectivas são alvissareiras. A sociedade do futuro será bem melhor que a nossa, principalmente porque gente chata que respeita filas e outras invenções burguesas está a caminho da extinção.
sexta-feira, 13 de outubro de 2023
Os Palestinos [Fausto Wolff]
quarta-feira, 13 de setembro de 2023
Controle lexical... absoluto!
domingo, 13 de agosto de 2023
Tá liberado #1
Foguete indiano
sábado, 12 de agosto de 2023
Busologia #2
Busologia #1
quinta-feira, 10 de agosto de 2023
Hecatombe
I.A.
quarta-feira, 9 de agosto de 2023
Negacionismo científico?
segunda-feira, 7 de agosto de 2023
E o IBGE já sabe disso?
A geografia do Brasil foi alterada e não fomos avisados.
Os defensores da unidade brasileira saíram depressa a condenar o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, por supostos preconceito e ofensa ao Nordeste em sua última entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Mas e o Norte e o Centro-Oeste? Também não teriam sido ofendidos por Zema? Aparentemente, essas regiões não mais existem: foram engolidas pelo Nordeste.
Os apressadinhos sempre se esquecem do Centro-Oeste e do Norte: para eles o Brasil é formado apenas por Sul, Sudeste… e Nordeste.
Mas… e o IBGE? Já está sabendo disso?
sábado, 1 de julho de 2023
Lançamento do filme X é realizado na cidade Y
🙄🤔
Para que toda essa afetação e verborragia no título de uma notícia? Por que não dizer algo mais simples?
FILME X É LANÇADO NA CIDADE Y — acho que fica bem melhor.
Já faz tempo que reparo na falta de jeito de parte da imprensa ao titular notícias. Teriam deixado de ensinar isso na faculdade? Ou é por causa de não ser mais obrigatório o diploma de jornalismo?
USPício... ou o fim da crítica
segunda-feira, 5 de junho de 2023
O Sobrado [Paulo Eiró]
O SOBRADO
Paulo Eiró (1836-1871)
Do céu à luz decadente
Contemplai esse sobrado
Que na face do presente
Lança o escárnio do passado:
Seu vulto negro ali está,
Nas trevas nódoa mais densa
Como sacrílega ofensa
Em alma perdida já.
Ei-lo! É no térreo degredo
Moço poeta a cismar,
Imóvel, como o penedo
Que escuta as vozes do mar.
Ei-lo aí! Dilacerado
Livro que o aquilão abriu,
E os segredos do passado
Aos meus olhos descobriu.
Esse teto quantos sonhos
Não abrigou de ventura!
Ai! quantos votos risonhos
Hoje o vento inda murmura!
Tristeza aqui não sentis?
Nessas lôbregas paredes
Tocante história não ledes
De alguma época feliz?
Apagou-lhe os caracteres
O tempo no andar veloz,
Imagem desses prazeres
Que deixam remorso após.
Passaste, oh quadra de amores,
Como o fumo em espiral,
E perdendo tuas flores,
Secaste, pobre rosal.
Como em uma alma abatida
Por paterna maldição,
No que foi templo de vida
Hoje impera a solidão.
Aqui, a lira inquieta
Furta-se aos cantos de amor,
Embarga a voz do poeta
Um acréscimo de dor.
O homem sonha monumentos
E só ruínas semeia,
Para pousada dos ventos;
Como os palácios de areia
Dos seus brincos infantis,
Mal divisa o que apetece,
Que tudo se desvanece…
Feliz quem amou! Feliz!
Paulo Eiró, poeta e dramaturgo paulista (1836-1871): https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Eir%C3%B3.
Leia e curta também no WordPress.
sexta-feira, 19 de maio de 2023
Rapidinha #13
Privilégio reencarnatório
quarta-feira, 17 de maio de 2023
Todo mundo odeia o Chris...
Só sabes que nada sabes
sábado, 13 de maio de 2023
Apotegma #16
quinta-feira, 11 de maio de 2023
Clipping
segunda-feira, 8 de maio de 2023
Machado de Assis: capacitista?
Coletivo universitário
quinta-feira, 4 de maio de 2023
Etenílson comenta: #SotaqueProibido
sábado, 29 de abril de 2023
Encourado
Desuniversidade
sexta-feira, 28 de abril de 2023
Indústria das multas?
quinta-feira, 27 de abril de 2023
Pós-peixada
sexta-feira, 24 de março de 2023
De medicina sinica
(Foto: Wikipédia.)
Matéria na Folha de S. Paulo de hoje, a respeito de pesquisa sobre o DNA
do jumento ou asno (Equus africanos asinus), também conhecido como
burro, jegue ou jerico, diz também que crescem a criação e o abate de
jumentos, de forma legal ou não, para fornecimento de couro, que é usado
para fazer uma gelatina usada na medicina tradicional chinesa.
Hummmm…
Um
dos motivos para a caça aos rinocerontes, causa da extinção de algumas
de suas espécies e ameaça constante às sobreviventes, é a procura por
seus chifres, usados na medicina tradicional chinesa.
A saiga (Saiga
tatarica), uma espécie de antílope da Ásia Central, teve sua população
muito reduzida nas últimas décadas devido à procura por seus chifres,
usados na… Adivinharam: medicina tradicional chinesa!
Já que tanto se
critica a medicina ocidental por sua suposta falta de humanidade; já
que tanto se atacam os testes feitos com animais; já que tanta gente
vive dizendo que é hora de falar disso, falar daquilo, falar daquilo
outro… creio que devemos começar a falar também dos impactos ecológicos
da medicina tradicional chinesa…
Ou será que a liberdade de expressão
e o direito à crítica, tão louvados no mundo ocidental, servem apenas
para atacar a nós mesmos, como se fôssemos a causa dos males do mundo,
enquanto toda e qualquer prática “não ocidental” é tida como imune a
críticas?
https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2023/03/finalmente-a-arvore-genealogica-do-jumento.shtml
Café com leite?
Faz algum tempo que tenho reduzido meu consumo de leite, e isto se dá
mais pelas denúncias de adulteração do leite por seus produtores do que
por outros motivos. Às vezes ainda ponho um pouco de leite no café
(adoro café bem forte, puro ou com leite), mas passei a fazer isto
apenas em minha casa: depois do que se tem visto nos últimos tempos, não
quero ser tomado por supremacista "branKKKo" ao ser visto bebendo leite
em público.
Mas agora a coisa se complicou: estão dizendo por aí que
beber café também está sendo considerado um ato racista, pois o café
foi "criado por negros para negros" (o café é originário da Etiópia), e
depois os "branKKKos se apropriaram dele e o inseriram na lógica do
capitalismo".
Parece que alguém lançou nos States essa ideia de
considerar racista o beber café, e rapidinho ela chegou aqui. Não é de
espantar ninguém: nossa submissão aos ianques e nossa imitação de tudo o
que rola na Gringolândia são totais.
Propõe-se até boicote ao café e
às cafeterias. É sério isso ou se trata de mais uma piada para
conseguir "biscoitos" na Internet?
Pensando bem, um branco chamado Lineu deu ao café um nome equivocado: "Coffea arabica". Não deveria ser "Coffea ethiopica"? 🤔
Se
querem achar em quem pôr a culpa disso, culpem os árabes, que levaram o
café da Etiópia para difundi-lo em seu império, e depois os turcos, que
o espalharam em seus domínios e mais além.
Conta-se que, quando os
turcos tentaram conquistar Viena, algumas sacas de café caíram em poder
dos defensores da cidade, que o experimentaram e adoraram! Se os turcos
não tivessem tentado conquistar a Europa Central... os europeus e suas
ex-colônias talvez ainda estivessem bebendo vinho com água quente de
manhã. 😋
Acho que vou parar de beber café também. Não quero ser tido
por racista. Há até quem me considere um autêntico "louro alto tipo
nórdico" (?!), mas ser considerado supremacista "branKKKo" já é
demais... E só por causa de um cafezinho!
E, antes que alguém toque
no assunto, informo que já faz mais de um ano que não tomo açaí, pois
não quero ser acusado de apropriação gastronômica da principal iguaria
amazônica.
Sigam meu conselho: açaí só para os paraenses!
domingo, 12 de março de 2023
Da Baleia ao Rei do Crime
sábado, 4 de março de 2023
Família real
quinta-feira, 2 de março de 2023
Coxinha
terça-feira, 28 de fevereiro de 2023
Vermelho e amargo
(Foto: Shutterstock.)
— Obrigado, mas já estou tomando um bíter com gelo...
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
More than a feeling [Boston]
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023
E-sports
terça-feira, 21 de fevereiro de 2023
Boca-livre
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023
Fantasias canceladas
Homens que se vestem de mulher no Carnaval estão sendo criticados e "cancelados". Diz-se que tais fantasias sao ofensivas a travestis.
Hmmmm... Aham... Sei.
Considerando-se a condição das odaliscas dos haréns do Império Otomano, creio que fantasiar-se de odalisca também não seja de bom tom — viu, @CarlaPerezCPX? Nem de gueixa. Ou de bruxa. Ou de chinesa da dinastia Song.
Certo estava Clóvis Bornay (1916-2005), que todos os anos vencia concursos com fantasias exuberantes com nomes do tipo "Sonho do Pavão Misterioso numa Noite de Verão na Ilha do Paraíso", que não faziam referência a nada conhecido e não podiam ser acusadas de apropriação cultural ou ofensa a grupos minoritários.
Bom, talvez fossem ofensivas às aves que perdiam suas penas para essas fantasias. Mas ninguém é perfeito...
O sonho não acabou, mas parece que a fantasia sim.
Lamento pelos brincantes, foliões, curtidores, carnavalescos e todos os que lotam os salões ou vão atrás do trio elétrico. Logo, fantasiar-se do que quer que seja não lhes pertencerá mais.
domingo, 19 de fevereiro de 2023
A ponta feia da Dutra
Há alguns dias, alguém disse no Twitter, comparando os folguedos de Carnaval no Rio de Janeiro e em São Paulo, que "o Rio tem cultura de Carnaval, São Paulo tem apropriação cultural". Aliás, é uma droga que o estado e sua capital tenham o mesmo nome, pois nunca se sabe se os caras se referem a um ou à outra, e talvez nem eles mesmos saibam ou causem confusão de propósito. Fingem-se de sonsos.
Descobri ali no Twitter por que não gosto de Carnaval: sou paulistano e não vejo o Carnaval como algo típico da cidade de São Paulo, por isso nunca gostei dele. Foi apropriado culturalmente, logo não é nosso. Taí. Valeu!
(Bom... Eu desfilei num bloquinho ou bloco do meu bairro em 1991; mas, em minha defesa, foi porque eu e alguns colegas estávamos paquerando umas garotas que desfilaram também. Não deu em nada. Fiquei a ver navios. Só perdi meu tempo e me cansei. Não digo que me arrependi, pois foi uma experiência interessante, que não mais repeti nem o pretendo fazer.)
Mas isso é apenas uma opinião minha, que alguns tomarão por tosca. Tô nem aí. Não sou contra o Carnaval, apenas não o pulo/brinco/curto/desfruto (escolham o verbo que quiserem conforme seus locais de origem).
Agora, na Folha de S. Paulo, um cavalheiro se refere a São Paulo como "a ponta feia da Dutra"; para completar, comete preconceito linguístico ao criticar o uso do termo "bloquinho", usual em SP, dizendo que ele não se pode aplicar ou usar no RJ, pois ali não há bloquinhos, há apenas blocos.
O mais espantoso é que um Marcos Bagno não aparece numa hora como esta para dar um pito nos glossofóbicos de plantão. Parece que, se é contra SP, preconceitos linguísticos e outros estão liberados: se é a principal, a mais importante, a mais rica cidade do Brasil, pode-se malhar à vontade! Tá liberado!
Mas experimente algum paulista dizer que em São Paulo não existem biscoitos, apenas bolachas...
https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/carnaval/2023/02/bloquinhos-nao-passarao.shtml
sábado, 18 de fevereiro de 2023
Etenílson comenta: #PaollaOliveira
(Foto: Paolla Oliveira/Instagram.)
sábado, 11 de fevereiro de 2023
A alegria do gol
Pelé comemorava seus muitos gols com o peculiar soco no ar, que se tornou um registro seu inconfundível e imitado por outros goleadores. Mas ele não foi o único a deixar sua marca ao comemorar um tento.
Nos anos 1970, o atacante Caio Cambalhota, irmão dos também craques Luisinho Tombo e César Maluco, ao fazer um gol, comemorava dando cambalhotas. Fez sucesso e foi campeão no Botafogo, no Flamengo e no América do RJ.
Na mesma época, outro atacante ficou famoso ao comemorar seus gols: Mickey, herói do Fluminense na conquista da Taça de Prata de 1970, comemorava levantando os braços e fazendo V com os dedos, o que o deixou conhecido como um homem de "Paz e Amor".
Josimar, lateral do Botafogo, jogando pelo Brasil marcou dois golaços na Copa do Mundo de 1986 (contra Irlanda do Norte e Polônia) e contagiou a torcida ao comemorar sambando e esbanjando alegria, o que inspirou a criação da revista esportiva norueguesa "Josimar Fotball".
Hoje leio que o jogador Nathan Cachorrão, do Fluminense do Piauí, faz jus ao nome: comemora seus gols imitando um cão a urinar na bandeirinha de escanteio...
Aliás, Cachorrão parece estar querendo inscrever seu nome no rol da história dos catimbeiros e causadores de confusão dentro de campo, como os célebres André Catimba e Almir Pernambucaninho: recentemente, Nathan lambeu o nariz de um adversário e recebeu um soco dele, o que causou a expulsão do lambido.
Pois é... Quem disse que o futebol não evolui? Suas peculiaridades e dinamismo, sua capacidade de revelar as facetas do ser humano explicam por que é o esporte mais popular do mundo.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023
Ladrão por ladrão…
(Imagem: Internet.)
Uma das personagens mais infames e execradas da história da Amazônia brasileira foi Sir
Henry Wickham (1846-1928), um faz-tudo inglês sobre o qual o jornalista
Joe Jackson escreveu um livro, publicado no Brasil com o sugestivo
título de O Ladrão no Fim do Mundo (Objetiva, 2011).
Ladrão?
Sim, senhoras e senhores. Ladrão. Mas também biopirata, contrabandista,
vagabundo, herói do Império… a depender do ponto de vista.
“‘Que foi que ele roubou? Que foi que ele fez?’ Os brotos responderam todos de uma só vez…”
Não,
não, não, não. O malandro do Wickham não roubou um coração nem uma joia
pendurada num cordão; seu roubo foi de muito maior monta: ele
contrabandeou para a Inglaterra sementes de seringueira (Hevea brasiliensis), que foram cultivadas e melhoradas nos laboratórios botânicos de Sua Majestade.
Em
sua perambulação pelo mundo, Wickham chegou à cidade paraense de
Santarém em 1871, onde morou por alguns anos, tentando cultivar
seringueiras. Encontrou apoio na comunidade de norte-americanos, que era
numerosa e importante na região. Com certeza ele se sentiu em casa…
Muita
gente não sabe que os estadunidenses confederados que emigraram para o
Brasil após a derrota na Guerra Civil Americana (1861-1865) não se
estabeleceram apenas no interior de São Paulo, onde seus descendentes
ainda hoje fazem Festas Confederadas, com trajes e comidas da época, e
hasteiam bandeiras da Dixieland; muitos americanos se fixaram em outras
partes do País, como em Santarém, no Pará. Algumas famílias e indivíduos
ficaram pouco tempo em Santarém e retornaram aos Estados Unidos, mas
várias famílias americanas se estabeleceram definitivamente na região
Oeste do Pará, deixando seus sobrenomes na antroponímia local, e parte
de seus descendentes paraenses ainda se orgulha de sua origem
confederada.
Mas voltemos a Henry Wickham. Em 1876, possivelmente com
a ajuda de gente da região, Wickham juntou, empacotou e acondicionou
cuidadosamente em cestos cerca de 70 mil sementes de seringueira,
enganou os agentes da fiscalização em Belém do Pará e levou as sementes
para a Inglaterra. As mudas conseguidas a partir dessas sementes foram
plantadas em possessões britânicas no Sudeste Asiático, e essas
seringueiras de além-mar, sem as pragas e outros empecilhos naturais
amazônicos, adaptaram-se muito bem lá, produziram muito e causaram
grande impacto no mercado internacional de látex. Era o fim do monopólio
sul-americano da borracha, e dos efeitos dessa débâcle a Amazônia brasileira demorou muito a se recuperar – se é que se recuperou…
Anos
depois, sua contribuição para o Império Britânico seria, enfim,
reconhecida, e graças a isso Wickham seria armado cavaleiro de Sua
Majestade. De vagabundo a gentleman, de biopirata a Sir!
Mas
este artiguinho não se acaba aqui. A história humana é complicada, a
brasileira é ainda mais, e as coisas nunca são tão simples como parecem…
Passemos da borracha para o café.
Ainda me lembro das aulas de
história do antigo ginásio. Aprendi então que o cultivo do café foi
introduzido no Brasil, mais precisamente na então província do
Grão-Pará, por Francisco de Melo Palheta (1670-1750), militar
luso-brasileiro nascido em Belém. Palheta, numa missão para restabelecer
a fronteira com a Guiana Francesa, foi até Caiena, onde conseguiu,
clandestinamente, sementes e mudas de cafeeiro, que ele plantou e
cultivou em suas terras na cidade paraense de Vigia.
Segundo consta,
as sementes e mudas foram um presente da esposa do governador de Caiena…
Qual terá sido a ligação entre Palheta e a esposa do governador? Não o
sei, apenas suponho. Já nos dias atuais não adiantaria esconder o affair, pois uma hora ou outra ficaríamos sabendo de tudo através da imprensa de fofocas.
O
cultivo do café era assunto de Estado na França, na Holanda e na
Inglaterra, que exerciam grande controle de suas colônias para evitar o
contrabando de suas sementes e mudas para os concorrentes. Mas os
franceses não esperavam que a esposa do governador de Caiena fosse
generosa além da conta com o enviado da Coroa Portuguesa, não menos
ladrão de “commodities” do que outros antes e depois dele, incluindo-se
na longa lista nosso conhecido Wickham.
O resto é história. A cultura
do café espalhou-se pelo País, e o “ouro negro” dominou nossa economia
até o século XX. No Império e na República, o Brasil ficou sob o domínio
do Rei Café por muito tempo.
Pois é isto: ora roubando aqui, ora sendo roubado ali, assim também se fez a história do Brasil.
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.