sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Apotegma #17

Sejas tu rico ou pobre, é fato — ainda que tu o ocultes — que não desejas que teu filho vá à universidade para estudar Geografia, Letras ou Jornalismo.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Rapidinhas 14 e 15

#14

Esqueçam aquele clichê segundo o qual, se uma catástrofe extinguir a humanidade, somente as baratas sobreviverão. Sim, é claro que elas sobreviverão, mas com elas sobreviverá também o capitalismo.

Afinal, a julgar pelo avanço acelerado da inteligência artificial, pelo nível de automação cada vez maior das fábricas de hoje e pelo que se prevê para as técnicas de produção no curto e médio prazo, se ninguém apertar o botão DESLIGAR, as fábricas continuarão funcionando, com robôs produtores e fabricadores controlados por outros robôs; a própria bolsa de valores será operada por robôs.

E com certeza as ações mais negociadas e valiosas serão as da SkyNet...

#15

"Não se traduz nome próprio" — disse cheia de certeza a fedelha recém-saída das fraldas e especialista em tudo na Internet.

Não respondi nada. Recolhi-me a minha insignificância.

Aliás, ela deve estar certa. Deve ser por isso que, nas Bíblias em português, o primeiro livro do Novo Testamento se chama "O Evangelho segundo São Matthew"...

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Busologia #3: Desconstruído

Eu estava esperando para embarcar no ônibus da universidade. Sempre entro por último, mesmo que tenha sido o primeiro a chegar à parada. Não há fila de embarque, e quando o ônibus encosta, junta-se um bolo de gente em frente à porta para entrar. Evito essa muvuca.

Quase todos já tinham entrado, e a pessoa na minha frente era uma aluna indígena. De repente apareceu um rapaz, um estudante jovem, talvez calouro, com mochila nas costas, vindo não se sabe de onde; ele não interrompeu o ritmo da marcha nem se importou com quem já estava ali: aproximou-se do carro e entrou, passando à frente da aluna que ia entrando.

A aluna não se importou com a furada de fila. Eu sim, mas meu espanto durou pouco. Que exemplar extraordinário! Que oportunidade eu tinha ali de observar "in loco" um verdadeiro macho desconstruído!

Sim, senhor! Desconstruidíssimo, o que ficou evidente por sua postura contestatória contra as imposições burguesas de ordenamento social. Afinal, marcação de tempo, relógios, cronômetros, cartões de ponto, catracas, crachás, filas etc. nada mais são do que ferramentas de controle usadas pela classe dirigente para submeter o povo. O cidadão macho desconstruído não respeita essas coisas.

E também não se preocupa em permitir que mulheres embarquem antes, mesmo que seja a vez delas. Mulheres primeiro? Por quê? Isso é cavalheirismo, uma ideologia patriarcal e machista que trata as mulheres como seres frágeis e dependentes do cuidado e proteção dos homens.

Abrir a porta do carro? Deixar a mulher entrar antes? Puxar a cadeira? Pagar toda a conta ou parte dela? Para o macho desconstruído, a mulher é uma igual, logo nada mais é que uma concorrente por recursos e serviços — inclusive o uso do ônibus universitário.

(Já o fato de ele ter passado à frente de uma mulher indígena é um mero detalhe que devemos relevar... Mas que não se repita, hein!)

E não se pense que o rapaz era estudante de Letras, Geografia, História ou outra das ideológicas Ciências Humanas. Nada disso: a julgar pela camiseta, ela era aluno das Exatas, mais precisamente de Engenharia, o que mostra que o desconstrutivismo deixou de ser típico das Ciências Inexatas e já invadiu as Desumanas...

É o mundo em mudança, meus camaradas, e as perspectivas são alvissareiras. A sociedade do futuro será bem melhor que a nossa, principalmente porque gente chata que respeita filas e outras invenções burguesas está a caminho da extinção.

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sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Os Palestinos [Fausto Wolff]

Em 1982, o jornalista brasileiro Fausto Wolff, após visitar campos de refugiados palestinos no Líbano (onde entrevistou Yasser Arafat), publicou o livro “Os palestinos: judeus da 3ª Guerra Mundial”, relançado em 1986. Profecia? Espero que não se confirme.

Ainda vale a leitura. 👇

WOLFF, Fausto. Os palestinos: judeus da 3ª Guerra Mundial. Prefácio de Fernando Morais. Ensaio fotográfico de Juca Martins. 136 p. 2. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1986. [1. ed. 1982].

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Controle lexical... absoluto!

(Imagem: Wikipédia.)

Há quem defenda que é incorreto dizer "americano" ou "norte-americano" para se referir aos Estados Unidos e seus cidadãos ou coisas, pois haitianos, panamenhos e brasileiros também são americanos, e canadenses e mexicanos, além de americanos, são também norte-americanos. Segundo essas pessoas, a única forma correta é "estadunidense".
Defensores mais virulentos da palavra "estadunidense" até se ofendem quando topam com os termos “americano” ou “norte-americano” usados nesse sentido, chegando até a destratar quem os empregue assim. Dizem que é ofensivo aos demais povos americanos e norte-americanos o uso desses termos como sinônimos de “estadunidense”.
Aliás, parece que o uso de “estadunidense” vai firmando-se como quase que exclusivo do pensamento de esquerda, enquanto o uso dos demais termos vai caracterizando-se como etiqueta da direita ou dos chamados isentões.
Trata-se de opinião, contra a qual nada tenho, desde que não se queira impor tal uso às outras pessoas; seria ótimo não ter de escolher entre mais de um termo, mas o uso atual de nossa língua consagra as formas "americano", "norte-americano", "estadunidense" e "ianque" como sinônimas em várias situações, não havendo erro nenhum em chamar um cidadão dos EUA de "americano" ou "norte-americano", desde que o contexto o permita.
Mas nem tudo são flores. Quando há tantos termos listados como politicamente incorretos, ofensivos, indesejáveis ou palavras-gatilhos para o que quer que seja, é preciso policiar-se o tempo todo para manter um discurso semântica e lexicalmente coerente e não deixar escapar uma palavrinha sequer que destoe ideologicamente das demais.
Fazer isso por escrito é fácil, pois sempre se pode revisar o texto e substituir os termos indesejados. Já falar ao vivo na TV ou na Internet são outros quinhentos, pois às vezes o termo nos escapa e nem o percebemos.
Foi o que ocorreu há alguns dias com certo intelectual, escritor e comentarista político progressista, que defende o uso exclusivo de “estadunidense” e rejeita as demais formas, que ele considera inadequadas pelos motivos citados acima. Comentando no YouTube sobre a influência política e cultural dos EUA na América Latina e no Brasil, ele disse algo assim:
“... a gente cresceu vendo na TV filmes ESTADUNIDENSES em que os AMERICANOS...”
Pois é... Escapuliu-lhe um “americanos” em lugar de “estadunidenses”. Nada errado aí, nem lexical nem gramaticalmente. E acho que nem ele mesmo percebeu, naquele momento, que usou um termo que ele mesmo considera inadequado e busca evitar. Acontece nas melhores famílias.
Quase todos os países têm um nome oficial, que consta em sua constituição e outros documentos. A França é "République Française", a Itália é "Repubblica Italiana", Portugal é "República Portuguesa", a Bolívia é "Estado Plurinacional de Bolivia"... E vários países têm ou tiveram a locução "Estados Unidos" a compor seus nomes oficiais: até 1967, o Brasil se chamou "Estados Unidos do Brasil"; até 1953, a Venezuela se chamou "Estados Unidos de Venezuela"; a Colômbia e a Indonésia também já foram "Estados Unidos"... e o México ainda se chama "Estados Unidos Mexicanos" – apesar de nenhum desses países ter "estadunidense" como gentílico. Por que, então, os estadunidenses não podem referir-se a seu país como América e a si como americanos se o nome oficial de seu país é "United States of America"?
E pode haver outras complicações no mundo dos gentílicos: afinal, o termo "europeu" pode continuar a ser usado em relação a qualquer país da Europa ou apenas se refere aos que compõem a União Europeia? Ucranianos, suíços, noruegueses e sérvios também são europeus? Por que não se referir aos cidadãos da União Europeia como "euro-unionenses", por exemplo?
Toda essa discussão é uma bizarra bizantinice.
Lembro-me de ter aprendido, na escola, a evitar a repetição de termos para que o texto não se torne maçante ou enfadonho; há mesmo quem goste de usar sinônimos para ostentar erudição ou opulência lexical. Mas nem sempre se pode lançar mão da sinonímia, pois ou os termos são insubstituíveis ou são técnicos demais, sem falar em artigos, verbos de ligação, preposições e outros elementos gramaticais cuja repetição é incontornável.
Tenho, pois, a tendência de evitar certas repetições; por isso, conforme a situação, e se necessário e possível, uso num mesmo texto as palavras “americano”, “norte-americano”, estadunidense”, “ianque” e outras, se as há, como termos sinônimos e alusivos aos EUA, sem levar em conta a ideia de que o único termo aceitável e possível seja “estadunidense” ou outro. Meu oráculo, guru e mito é o dicionário.
Se você acha que só um termo é possível, aceitável, conveniente e politicamente correto para referir-se a um grupo social, a uma coisa, a um processo ou a uma situação — não há problema nenhum nisso. Mas sugiro treinar o controle lexical para evitar o deslize de usar, sem o querer, um termo inadequado a suas convicções.
Policie-se o tempo todo; perscrute cada palavra na mente antes de falar e enquanto fala; fale pausadamente, deixando sair as sílabas bem devagar... e assim talvez você consiga evitar que, vez ou outra, escape uma palavrinha gentilicamente incorreta.
Use apenas seu termo favorito, pois, riscando de seu glossário os sinônimos dele, e quem sabe se, daqui a alguns anos, sua palavra favorita não emplacará como a única?
O preço da palavra politicamente adequada e correta é a eterna vigilância do (próprio) vocabulário. E talvez, ao fim e ao cabo, o resultado seja termos um vocabulário cada vez mais restrito e uma fala sem figuras de linguagem nem sinônimos. Este parece ser, aliás, o desejo dos fiscais da palavra alheia.
Bem-vindos à era da pós-sinonímia.

domingo, 13 de agosto de 2023

Tá liberado #1

Fui ensinado a não rir, não debochar, não mangar, não caçoar, não tirar sarro de características fisicas de outras pessoas. Apesar disso, debochei de colegas quando eu era criança e adolescente, e riram de mim também. Ninguém é perfeito, mas felizmente a gente cresce.
Porém, o que era um comportamento respeitoso ensinado por muitas famílias aos filhos é hoje uma exigência do senso comum para a convivência civilizada em nossa sociedade. Aliás, atualmente é preciso ter cuidado até quando se faz referências a características ou deficiências das pessoas para não ser visto como capacitista.
Mas parece que, como tudo na vida, isso depende... daquele de quem se trata.
Se a pessoa é um adversário político, afrouxam-se então as amarras e se pode debochar e tirar sarro à vontade de qualquer característica dele: orelhas, voz, sotaque, tamanho da pança ou do nariz, falta de partes do corpo, erros de gramática, cacoetes, preferência por certas palavras ou locuções...
Se está do outro lado do espectro político, está errado, logo tirar sarro dele...
Tá liberado, então.

Foguete indiano

(Foto: R. Satish Babu, AFP)

Na madrugada de 29 de maio de 2023 assisti ao lançamento de um foguete da Índia. Os indianos usaram-no para posicionar em órbita um satélite do sistema de navegação que estão construindo. Eles e os chineses estão preparando-se para não depender do GPS, que é dos Estados Unidos. Já por aqui...
Aqui já perdemos o foguete da história, assim como deixamos passar o metrô, o trem, o bonde, a carruagem e até o paquete. Sabotamos nossa indústria automotiva (que há muito é toda gringa), não conseguimos fabricar um chipe, e nossos computadores, telefones e até cafeteiras, aspiradores de pó e liquidificadores são feitos na China e aqui postos nas caixas para venda no varejo...
Sem falar em nossa escola, na qual os alunos passam 12 anos e da qual muitos saem sem entender o que leem nem escrever direito na língua que falam, além de deixar-se enredar na inflação do terraplanismo.
Mas está tudo joia! O Brasil continua craque em destruir seu meio ambiente, desperdiçar seus recursos naturais e esmagar o talento de seu povo.
Não criemos pânico. Para que investir em programas espaciais dispendiosos, se a China e a Índia, parceironas dos BRICS, podem lançar os nossos satélites?
Mas não daqui, pois nossa base de Alcântara agora é dos irmãos do North, que sabem usá-la melhor do que nós. Há mais de 20 anos deixamos que explodisse, matando toda a nossa equipe de pesquisadores de espaçonáutica. Há quem diga que foi sabotagem dos gringos malditos, mas isso já é conspiracionismo de mais, não acham?
Ao fim e ao cabo, não para de crescer o lucro da exportação de soja, minério e "proteína". Ao vencedor, as commodities!

P.S.: Talvez apareça alguém aqui me acusando de ter complexo de vira-latas. Qual! Vão tomar banho na soda! Esse papo de vira-latismo é desculpa de quem não aceita críticas ao país, pois acha que o Brasil é a oitava maravilha e vivemos no melhor dos mundos possíveis. Amar o Brasil é também reconhecer seus problemas.

sábado, 12 de agosto de 2023

Busologia #2

Hoje embarquei no ônibus circular universitário e havia só um lugar vago: era ao lado de uma estudante que manuseava o telefone celular.
Estava sentada de forma descontraída, não encostada na janela, com as pernas abertas, e ocupava mais da metade do banco.
Eu disse "licença!" e me sentei. Acho que ela nem me ouviu. Ocupei a parte disponível do banco e fiquei com parte da "poupança" para fora.
Entendi o que sentem as mulheres que se sentam no ônibus, metrô ou trem ao lado de um cara folgado com as pernas escanchadas.
Mulheres, sintam-se vingadas! 😁😂🤣😂

Busologia #1

Hoje eu finalmente percebi por que tanta gente se esforça e até se endivida para comprar um carro, uma motocicleta ou até mesmo uma bicicleta e fugir do transporte público: a trilha sonora que somos obrigados a ouvir nos ônibus às vezes dá engulhos.
Espero que, quando a universidade tiver sua estação de rádio, os motoristas do circular universitário sejam orientados a manter o rádio do ônibus sintonizado obrigatoriamente nela...
Com certeza, seja qual for, a programação da rádio universitária será bem mais agradável.

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Hecatombe

Se ocorrer mesmo a hecatombe climática que muitos cientistas e ambientalistas preveem, e a humanidade for mesmo extinta por causa disso, quem perecerá primeiro: os pobres ou os ricos?
Creio que os pobres morrerão primeiro, é claro e óbvio, de fome e sede.
Já os ricos viverão alguns instantes a mais: alucinados pela fome e iludidos pela cor de suas verdinhas, certamente tentarão comer dinheiro.

I.A.

Sempre gostei do sistema "pegue, pague e leve" dos supermercados e assemelhados. Não que eu seja contra os balconistas (já fui um) e atendentes das lojas, que são imprescindíveis quando se precisa de atendimento mais pessoal em relação a algum produto específico.
O sistema de balcão é ótimo numa padaria, quando se precisa de 10 pãezinhos e 1 litro de leite, ou num bar, ao se pedir uma cerveja ou rabo de galo. Gosto, porém, de percorrer as prateleiras ou estantes, escolher o produto, ir ao caixa, pagar e ir embora.
Mas é aflitivo entrar numa loja enorme de uma rede em um shopping center, cheia de produtos para o lar, casa e jardim, papelaria etc., e encontrar nela uma única funcionária, que não é vendedora nem caixa e está lá apenas para dar informações e ajudar os clientes a pagar as compras no sistema de autoatendimento: o cliente escolhe o produto, posiciona-o em frente ao leitor de código de barras, põe-no na sacola, escolhe a forma de pagamento, introduz ou encosta o cartão de crédito/débito ou o telefone celular, digita a senha, espera a impressão do comprovante e vai embora.
Os vários caixas da loja estavam vazios, sem vivalma. Quase uma loja-fantasma.
Eis aí em pleno funcionamento essa inteligência artificial de 500 anos chamada capitalismo.
Ela surgiu como parte do código-fonte de um sistema religioso, mas ganhou vida própria e está hoje acima das religiões, mas ao mesmo tempo ao lado, embaixo e dentro delas.
Serviu-se da escravidão (que não inventou, reconheçamos), mas ajudou a extingui-la quando percebeu que era o mais conveniente, pois escravos não são consumidores.
Aceitou dar direitos aos trabalhadores para impedi-los de simpatizar com o comunismo, mas as condições de trabalho pioraram e os direitos caíram por terra quando a ameaça vermelha se desfez no ar.
Agora os próprios empregos rareiam, assassinados pelo avanço tecnológico, enquanto os nerds e outros fanáticos por "tecnologia" idolatram bestamente gente como Jobs, Gates, Zuckerberg e Musk. 
O capitalismo é uma inteligência artificial aparentemente analógica, pois não vive (ainda) em sistemas informáticos: seu único fim é continuar existindo, e para isso ele precisa de hospedeiros, os seres humanos, que usam os recursos, as ferramentas físicas e ideológicas disponíveis, às quais o capitalismo se adapta constantemente. Toda a humanidade é hospedeira do capitalismo, mas apenas parte dela se beneficia disso, vivendo em regime de simbiose... pelo menos enquanto essa simbiose for necessária para o parasita.
Impõe-se uma questão: por que não sacrificar um pouco do lucro para criar mais postos de trabalho e, por conseguinte, mais consumidores? Não seria melhor se mais pessoas trabalhassem, em jornadas de trabalho mais curtas, com tempo para lazer, estudo... e consumo? Mas isso desagrada aos acionistas, beneficiados pela simbiose.
Sem renda não há consumo. Aonde chegaremos no ritmo atual?
Veremos no que dará quando o capitalismo, inteligência artificial analógica, tiver em mãos uma inteligência artificial computacional ilimitada... ou for absorvido por ela.
Será, pela última vez, a vida a imitar a arte.
A SkyNet está logo ali.

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Negacionismo científico?

Olhe, veja bem... 🤔😱😂🤣😂
Agora que o novo coronavírus já é bem conhecido, há várias vacinas disponíveis e a Covid-19 está sob controle... podemos menosprezar, criticar, xingar, detonar, atacar à vontade a pérfida ciência "ocidental" (ou "dos brancos") e os cientistas.
Afinal, esses cientistas arrogantes têm a pachorra de usar o método científico para dizer o que é e o que não é ciência.
Basta! A pandemia acabou-se, e com ela o reinado dos cientistas e divulgadores da ciência. As coisas já vão voltando ao normal.
Acaba de ser regulamentada a ozonioterapia, e o povo já começa a cancelar cientistas que ousam criticar práticas pseudocientíficas e "tradicionais".
Como se atrevem eles a dizer que é ineficaz a dieta de corte de carne, queima de gordura e ingestão de líquidos (ou seja, churrasco com cerveja) para emagrecimento?
O negacionismo está liberado, pois... mas só até a próxima pandemia. Quando ela vier, veremos o que fazer.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

E o IBGE já sabe disso?

A geografia do Brasil foi alterada e não fomos avisados.

Os defensores da unidade brasileira saíram depressa a condenar o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, por supostos preconceito e ofensa ao Nordeste em sua última entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Mas e o Norte e o Centro-Oeste? Também não teriam sido ofendidos por Zema? Aparentemente, essas regiões não mais existem: foram engolidas pelo Nordeste.

Os apressadinhos sempre se esquecem do Centro-Oeste e do Norte: para eles o Brasil é formado apenas por Sul, Sudeste… e Nordeste.

Mas… e o IBGE? Já está sabendo disso?

sábado, 1 de julho de 2023

Lançamento do filme X é realizado na cidade Y

LANÇAMENTO DO FILME X É REALIZADO NA CIDADE Y
🙄🤔
Para que toda essa afetação e verborragia no título de uma notícia? Por que não dizer algo mais simples?
FILME X É LANÇADO NA CIDADE Y — acho que fica bem melhor.
Já faz tempo que reparo na falta de jeito de parte da imprensa ao titular notícias. Teriam deixado de ensinar isso na faculdade? Ou é por causa de não ser mais obrigatório o diploma de jornalismo?

USPício... ou o fim da crítica

Certo autor da moda, popular e badalado disse preferir escrever para encontrar leitores e não para a Universidade de São Paulo (USP), desprezando a crítica literária. Está em seu direito… e vendendo muito. O entrevistador ainda o parabenizou por quebrar o estereótipo do escritor branco, rico e vivendo no Sudeste.
A quem o entrevistador alude quando diz "escritor branco, rico vivendo no Sudeste"? João Antônio ou Ferréz? Jorge Amado era mineiro, sem dúvida nenhuma. Talvez se trate do milionário Plínio Marcos, nascido em berço de ouro nos Jardins, cuja escrivaninha feita de caixotes de madeira com certeza era só mais uma das excentricidades de sua “persona” marginal…
Enfim... Não sei se me sinto lisonjeado por ver a universidade em que me formei citada como sinônimo de crítica literária universitária ou se fico preocupado: estaria a crítica literária em extinção entre nós e a USP seria a única universidade brasileira ainda a praticar essa atividade tão difícil, quase desconhecida e desprestigiada? Seria a USP o último baluarte da crítica literária no Brasil?
A princípio tive medo de meus professores de crítica literária, que me assustavam com sua erudição, sua capacidade de relacionar obras e autores, escolas e correntes, escavando tantas coisas de um poema ou conto. Depois passei a sentir respeito e admiração por eles e por sua atividade ingrata, para a qual alguém se prepara por toda a vida, com muitas horas diárias de leituras, reflexões, anotações, comparações, com um olho nos clássicos da humanidade e outro nas novidades que dia a dia enchem as prateleiras das livrarias… e as listas de “best sellers” — só para depois ser xingado nas redes sociais porque a crítica não saiu favorável ao autor como ele e seus fãs esperavam.
Mas, alvíssaras!
A julgar pelos boatos que ainda ouço de minhas fontes, a USP está há um bom tempo no caminho da decadência, e logo, para a alegria de muita gente, a universidade mais odiada do Brasil chegará ao fim, e com ela a desprestigiada crítica literária universitária, que voltará a ser exercida em nosso país apenas por seus verdadeiros donos, os articulistas companheiros de jornais e blogues, ou pelos gringos que a inventaram.
Nunca mais uma obra literária será GONGADA nas páginas de crítica dos jornais brasileiros. Terá apenas palavras de aprovação!
Mas, no mais e afinal, por que perder tempo escrevendo crítica literária, séria ou a soldo, se os gringos podem fazê-la melhor do que nós… e em inglês?
Crítica para quê? Aos vencedores... o lucro da soja e da "proteína"!

segunda-feira, 5 de junho de 2023

O Sobrado [Paulo Eiró]

O SOBRADO

Paulo Eiró (1836-1871)

Do céu à luz decadente
Contemplai esse sobrado
Que na face do presente
Lança o escárnio do passado:
Seu vulto negro ali está,
Nas trevas nódoa mais densa
Como sacrílega ofensa
Em alma perdida já.

Ei-lo! É no térreo degredo
Moço poeta a cismar,
Imóvel, como o penedo
Que escuta as vozes do mar.
Ei-lo aí! Dilacerado
Livro que o aquilão abriu,
E os segredos do passado
Aos meus olhos descobriu.

Esse teto quantos sonhos
Não abrigou de ventura!
Ai! quantos votos risonhos
Hoje o vento inda murmura!
Tristeza aqui não sentis?
Nessas lôbregas paredes
Tocante história não ledes
De alguma época feliz?

Apagou-lhe os caracteres
O tempo no andar veloz,
Imagem desses prazeres
Que deixam remorso após.
Passaste, oh quadra de amores,
Como o fumo em espiral,
E perdendo tuas flores,
Secaste, pobre rosal.

Como em uma alma abatida
Por paterna maldição,
No que foi templo de vida
Hoje impera a solidão.
Aqui, a lira inquieta
Furta-se aos cantos de amor,
Embarga a voz do poeta
Um acréscimo de dor.

O homem sonha monumentos
E só ruínas semeia,
Para pousada dos ventos;
Como os palácios de areia
Dos seus brincos infantis,
Mal divisa o que apetece,
Que tudo se desvanece…
Feliz quem amou! Feliz!


Paulo Eiró, poeta e dramaturgo paulista (1836-1871): https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Eir%C3%B3.


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sexta-feira, 19 de maio de 2023

Rapidinha #13

Explorar petróleo é bom ou ruim? Ora, depende de quem está fazendo isso.
Se os outros estão explorando o petróleo, isso é sempre ruim, pois o petróleo é poluente, causa impactos ambientais, condena o país à "maldição do petróleo" etc.
Mas se nós é que estamos explorando o petróleo, isso não é apenas bom, é ótimo — mesmo que seja na Amazônia.

Privilégio reencarnatório

Há algum tempo, Xuxa Meneghel concedeu entrevista a Taís Araújo. A certa altura da conversa, a Rainha dos Baixinhos disse que gostaria de renascer como mulher negra numa próxima vida.
Por que a loira tinha de dizer isso? “Quem essa branca pensa que é para querer ser negra?” — foi mais ou menos o que se disse em reação ao desejo expresso por Xuxa, cuja fala causou revolta em algumas pessoas, e o assunto foi inevitavelmente discutido na Internet, como ocorre com as costumeiras, efêmeras e infrutíferas polêmicas ou tretas das redes sociais, sendo esquecido mais tarde. Normal.
A repercussão do assunto na época mostrou que o conceito de “lugar de fala” é mais amplo do que parece, pois abrange não apenas o momento atual, mas também hipotéticas vidas futuras — no que a maioria das pessoas diz não acreditar.
Não sei qual a religião de Xuxa Meneghel, mas inegavelmente ela crê na sobrevivência do espírito, na vida após a morte, na pluralidade das existências, nas vidas sucessivas… Em suma, ela com certeza crê na REENCARNAÇÃO, isto é, na possibilidade de uma pessoa morrer e, depois de algum tempo, renascer em outro corpo, numa existência nova e diferente da anterior.
As religiões abraâmicas — judaísmo, cristianismo, islamismo (pelos menos em suas correntes majoritárias e dominantes) — não reconhecem a possibilidade de reencarnação, que é aceita por outros sistemas religiosos ou espiritualistas, um dos quais o espiritismo francês ou kardecista (ou simplesmente espiritismo), que tem a imortalidade do espírito e as existências sucessivas como dois dos seus princípios basilares.
Segundo o espiritismo, o ser humano tem uma parte imortal, que sobrevive à morte e guarda a essência do indivíduo: é o espírito, que reencarna ou renasce, vivendo existências sucessivas com o fim de evoluir. Nesse contexto, o espírito não tem cor, não tem etnia, não tem sexo, não tem gênero, não tem orientação sexual, não é cis nem trans, não é rico nem pobre, nem nobre ou plebeu, nem ocidental ou oriental, nem nortista ou meridional, não tem idioma nem religião.
Assim, quem hoje é branco, já foi negro e voltará a ser negro; quem hoje vive como mulher, já viveu como homem e viverá outra(s) existência(s) masculina(s); o heterossexual de hoje possivelmente já foi homossexual numa existência anterior e talvez renasça de novo como homossexual; e assim por diante em relação à orientação sexual, à transexualidade, à língua, à religião etc. Estas são condições circunstanciais, efêmeras, transitórias, sejam biológicas ou culturais, que o espírito vivencia em suas reencarnações e cuja memória ele acumula em sua individualidade como bagagem existencial.
De acordo com essa doutrina, portanto, não há nenhum impedimento a que Xuxa Meneghel ou qualquer outra pessoa branca possa vir a renascer como pessoa negra, ameríndia, asiática, aborígene, mestiça, e nada impede que qualquer outra pessoa possa reencarnar sob qualquer outro fenótipo, sexo, orientação sexual etc., seja qual for. As possibilidades são muitas e dependem também das contingências de cada momento e situação.
Uma dessas contingências é o estoque humano disponível.
As estatísticas demográficas atuais mostram que a população europeia está diminuindo, e noutros países ricos, como Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Japão e Coreia do Sul, o crescimento populacional tem diminuído seu ritmo. Ao mesmo tempo, a Índia ultrapassou a China como país mais populoso, enquanto a Indonésia e o Paquistão, juntos, têm mais de meio bilhão de habitantes. Já a África é o continente cuja população cresce mais rapidamente: a Nigéria já tem população maior que a do Brasil e deverá ter cerca de 400 milhões de habitantes em 2050.
Os dados demonstram, portanto, que a população branca de origem europeia tende a diminuir e tornar-se minoritária em relação aos demais grupos humanos; assim, cada vez mais a reencarnação como ser humano não branco será o mais frequente, e reencarnar como branco será um "privilégio" cada vez mais raro.
Aceitando-se ou não isso, nessa perspectiva a realização do desejo de Xuxa Meneghel é apenas uma questão de tempo... e tempo é coisa que os espíritos têm de sobra.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Todo mundo odeia o Chris...

(Foto: Internet.)

Só um tapinha não dói... Dói, sim!
Numa realidade alternativa, durante a cerimônia do Oscar de 2022, quem deu um tapa em Chris Rock foi Tom Hanks, que não gostou nadinha da piada que Rock fez sobre a atriz Rita Wilson, esposa de Hanks.
Imaginem só: um branco dando um tapa na cara de um negro em pleno palco do Oscar. Inaceitável! Um absurdo!
Aí sim a repercussão do tabefe mais famoso da história da Academia de Cinema de Hollywood seria da pesada! E, naquela realidade alternativa, foi mesmo...

Só sabes que nada sabes

(Foto: Internet.)

Anote aí a nova moda:
Se você não sabe de algo, se desconhece alguma informação, o motivo é:
1. Você foi enganado (por alguém que você acha que lhe deveria ter dado essa informação); ou
2. Houve desprezo pela informação (não a buscaram, não a pesquisaram, por isso você não sabe).
A culpa de não saber algo nunca será sua — mesmo que se trate do nome da personagem principal de um romance que o professor pediu que você lesse, mas você não o fez porque achou chata a leitura; ou do significado daquela palavra, que você poderia ter procurado num dicionário, mas não o fez por preguiça. 🙄
Ou é o caso daquela canção que você não sabia que é traduzida ("Pensando nela", "Não chore mais", "Erva venenosa", "O astronauta de mármore", "Vou de táxi"...); a informação está no encarte do CD e do disco de vinil, mas ninguém avisou que você deveria ler o encarte do disco para saber isso. 😱
Não se preocupe, você é totalmente inocente de tudo... pois existe uma conspiração eterna e universal para que você não saiba aquilo que deveria saber.
As redes sociais nos ensinam cada coisa bacana! (E principalmente esta: o conspiracionismo não tem fim.)

sábado, 13 de maio de 2023

Apotegma #15

Nunca perguntes a uma dama sua idade, nem a um cavalheiro se ele toma viagra.

Apotegma #16

Nunca residas perto demais de teus parentes, para que eles não te visitem todos os dias; nem residas muito longe deles, para que não se demorem junto de ti quando te visitarem.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Clipping

(Imagem: Internet.)

No fim dos anos 1980, o dono (seria hoje o CEO?) de uma fábrica metalúrgica de São Paulo, quando caminhava pelos corredores dos escritórios da empresa, sempre recolhia algum clipe para papel que encontrava no chão. "Isto é dinheiro" — dizia.
Alguns empregados gaiatos jogavam clipes no chão, escondiam-se e riam a valer vendo o patrão se agachando para apanhá-los.
Enfim... a vingança do proletariado contra a opressão do capitalismo.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Machado de Assis: capacitista?

A discussão sobre alterações em trechos de livros de Monteiro Lobato, Roald Dahl, Ian Fleming e Agatha Christie, acusados de ferir a sensibilidade dos leitores por meio de frases tidas como preconceituosas, traz-me à memória aquele trecho do capítulo XXXIII de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", quando o narrador Brás Cubas comenta, após reparar no coxear* de Eugênia (a que ele faz alusão no capítulo anterior):

"O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita?"

Na lógica dos leitores sensíveis, parece que nem o cultuado Bruxo de Cosme Velho, maior glória da literatura nacional, escapou disso. Ninguém é perfeito...
Seria isso demonstração de capacitismo do autor? Insensibilidade e falta de consciência de classe de um homem negro e epilético? Ou estaria ele, em sua obra, mostrando a vida como ela é por meio de uma personagem vil, desprezível, asquerosa, infame, mas ainda assim tão parecida com muita gente com que convivemos todos os dias? Ou talvez parecida com nós mesmos?
Um erro cada vez mais arraigado hoje é o de confundir personagens ou o narrador de uma obra de ficção com o próprio autor da ficção. Há personagens racistas na obra de Machado de Assis; quer isto dizer que Machado era racista?
Estropiarão também a obra de Machado de Assis para evitar ferir a sensibilidade dos pobres leitores? Terão muito trabalho, a começar por esse livro que cito aqui, pois as personagens dele não são rasas, mas complexas, como são todos os seres humanos, e nisso reside o gênio do autor.
Mas talvez queiram edulcorar as personagens e trechos para que o texto machadiano se torne leve como um conto de fadas dos dias de hoje... Daí sairiam, com certeza, ótimos roteiros para filmes da Disney!
Ou talvez não se faça nada. Quem lê Machado de Assis hoje em dia? E quem o lê com vontade e prazer? Uma coisa é usá-lo como figura de luta política e racial, esfregando a negritude de Machado (e de Cruz e Sousa, Lima Barreto, João do Rio, Mario de Andrade...) na cara da "elite branca, macha, heterossexual e cis"; outra bem diferente é enfrentar sua obra sem a obrigação da leitura escolar.
Se a coisa rolar mesmo, estou aqui à disposição para fazer a revisão do texto, após a dilapidação dele, pois trabalho é trabalho. Pagando bem, que mal isso tem? Às favas com os escrúpulos, desde que ao vencedor sobrem as batatas — ou pelo menos algum cachê pela revisão textual.
Já a minha coleção completa de Machado de Assis ficará bem guardada, e nela ninguém porá a mão.

* Observação: coxo = manco; coxear = mancar.

Coletivo universitário

O trajeto é curto, mas usar o ônibus da universidade às vezes nos propicia experiências curiosas e dignas de observação.
Sempre se acha alguma coisa dentro do veículo, por exemplo. Além de garrafas vazias de água e embalagens de guloseimas, já achei até um par de meias dentro do ônibus; e, recentemente, ao me sentar num dos assentos, vi no chão algo muito esquisito. A julgar pela aparência meio escurecida e encarquilhada, pensei que um morcego tinha entrado no ônibus, morrido dentro dele e se mumificado ali. Mexi naquilo com a ponta do guarda-chuva e verifiquei que era apenas uma casca de banana ressecada.
Tentar entrar no veículo já propicia a observação da vida como ela é. Não se formam filas nas paradas do circular universitário, mas sim bolos de gente que se amontoam em frente à porta do ônibus quando ele para, formando um funil para embarcar nele. Chegar cedo não é garantia de entrar primeiro e tomar um assento vazio. Não raro alguém chega quando o carro já está parado e com os passageiros entrando, e na maior caruda se enfia entre o povo e embarca antes de quem já estava lá. Fura o funil! E sob os protestos de... ninguém. A palavra “fila” deve estar em falta nos dicionários de muita gente.
Geralmente eu chego um pouco antes da saída do ônibus e entro nele por último, mesmo que tenha sido um dos primeiros a chegar ali. Deixo que todos entrem e depois entro eu, mesmo que fique em pé. Pressa para quê?
Acho que causo certa estranheza a alguns alunos, que talvez me olhem com curiosidade. Tenho o dobro da média de idade deles e estou sempre com meu crachá visível. Poucos servidores usam o ônibus da universidade, pois muitos deles têm carro, e talvez os alunos me vejam ali como um tipo de espião ou olheiro da instituição… (Ou pareço eu um barnabé fracassado?) A falta de confiança em quem tenha mais de 30 anos parece ainda estar valendo!
Há algumas semanas, entrei por último e vi um assento vazio no fundo do ônibus. No meio do corredor, um casal de estudantes: um dos membros do casal, sentado num banco; o outro, ao lado e em pé, com uma mochila enorme nas costas e abraçado a quem estava sentado. O corredor estava quase totalmente bloqueado. Com o carro já em movimento e chacoalhando-se, cheguei perto da dupla e disse: “Com licença”. Sem resposta. Repeti com mais ênfase: “Com licença!”. Nada. Estava diante de uma rocha, uma coluna ali plantada. Fiquei nas pontas dos pés, espremi-me como pude e passei quase deslizando sobre o mochilão. Acho que nem perceberam.
(Nas costas de algumas pessoas, mochila parece corcova, que num camelo ou dromedário tem sua utilidade, dada pela natureza.)
Sentei-me no banco vago no fundo do ônibus e fiquei observando o casalzinho ali no meio do corredor, no maior “love”, numa “nice”, ambos alheios ao entorno, e um deles atravancando a passagem.
Logo me veio à mente isto: aquele indivíduo não sobreviveria um dia no transporte coletivo de São Paulo.
Fiquei imaginando alguém bloqueando daquele jeito o corredor de um ônibus da linha Perus-Pinheiros, ou da linha Horto Florestal-USP, ou Jardim Míriam-Vila Gomes, ou Penha-Lapa, Lapa-Socorro, Socorro-Limão, Jardim das Oliveiras-Parque D. Pedro II, Capelinha-Praça da Bandeira…
Seria comido vivo.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Etenílson comenta: #SotaqueProibido

Nunca pensei que chegaríamos ao ponto de uma pessoa, depois de diversas críticas infundadas, vir a público pedir desculpas por seu sotaque e por ter nascido onde nasceu.
As redes sociais são mesmo uma zosta, uma grande zerda!
Ao saber disso, meu amigo Etenílson, que veio do planeta Xistê para estudar nossa(s) cultura(s), ficou inconformado.
"Mas as línguas terrestres e suas variedades não são todas equivalentes, legitimas e com as mesmas capacidades e direitos? É o que dizem os linguistas de vocês" — disse Etenílson, cheio de razão.
"Sim, você está certo" — disse eu. "Mas é que alguns dialetos e sotaques têm menos direitos que os outros..."

sábado, 29 de abril de 2023

Encourado

Nunca li "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa. (Não li também vários outros livros que já deveria ter lido, mas este eu cito por um motivo especial.)
Fala-se tanto desse livro, "opus magnum" de seu autor, que se criou em mim um grande receio dele. Lembro-me de que alguém chegou a dizer que para adentrar o "Grande Sertão" é preciso estar bem preparado, bem ENCOURADO.
Não o li até hoje porque temo lê-lo, não entender nada dele e me sentir burro. 
Assim, entre a expectativa e a realidade de ler o livro e me sentir burro, fiquei apenas na expectativa.
Por enquanto. O tempo dirá até quando.

Desuniversidade

Universidade brasileira é acerbamente criticada (onde? nas redes sociais, é claro!) por proposta de criar centro de pesquisa em outra região do país.
Dizem seus detratores que a instituição deveria pesquisar apenas em seu estado de origem. Ah, tá.
Enquanto isso, a mesma universidade assina acordo com centro de pesquisa de um país africano para colaboração na  formação de docentes. E o povo desse país parece não ter preconceitos quanto a trabalhar com instituições de outras regiões ou países.
Assim caminha a brasilidade.

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Indústria das multas?

Há alguns dias, viajando no ônibus da universidade, em 5 minutos vi dois motoristas trafegando com seus carros na contramão para cortar caminho. Um deles, inclusive, dentro do campus!
É esse o tipo de gente que, ao ser multada, reclama da indústria das multas, clamando com desfaçatez que o Estado, antes de multar, deve ensinar e orientar...
Ensinar? Orientar? Como assim? Esse povo não teve aulas de direção antes de receber sua carteira de habilitação para dirigir? 🤔
Indústria das multas? Qual! Quero mais é que sejam multados mesmo! Passem o lápis nesses folgados! Multem sem dó esses caras de pau!
Maus motoristas são responsáveis por muitos acidentes de trânsito, inclusive fatais — e às vezes isso se dá num instantezinho ao seguir na contramão por meio quarteirão...

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Pós-peixada

Voltando ao trabalho depois do almoço, passo em frente a uma churrascaria que monta suas churrasqueiras na calçada para assar peixes na grelha: tambaqui, tucunaré, curimatá, talvez jaraqui.
O lugar está vazio. O peixe foi todo vendido, o fogo já se apagou, as brasas do carvão se esfriam. O churrasqueiro, agora, talvez esteja desfrutando de sua porção, se já não estiver curtindo o pós-almoço numa rede, assim como os clientes após a peixada.
Marasmo.
Mas, num canto, um cliente retardatário aproveita a solidão do lugar e saboreia o que lhe cabe: é um gato, que lambe tranquilamente as grelhas vazias...

sexta-feira, 24 de março de 2023

De medicina sinica

 

(Foto: Wikipédia.)


Matéria na Folha de S. Paulo de hoje, a respeito de pesquisa sobre o DNA do jumento ou asno (Equus africanos asinus), também conhecido como burro, jegue ou jerico, diz também que crescem a criação e o abate de jumentos, de forma legal ou não, para fornecimento de couro, que é usado para fazer uma gelatina usada na medicina tradicional chinesa.
Hummmm…
Um dos motivos para a caça aos rinocerontes, causa da extinção de algumas de suas espécies e ameaça constante às sobreviventes, é a procura por seus chifres, usados na medicina tradicional chinesa.
A saiga (Saiga tatarica), uma espécie de antílope da Ásia Central, teve sua população muito reduzida nas últimas décadas devido à procura por seus chifres, usados na… Adivinharam: medicina tradicional chinesa!
Já que tanto se critica a medicina ocidental por sua suposta falta de humanidade; já que tanto se atacam os testes feitos com animais; já que tanta gente vive dizendo que é hora de falar disso, falar daquilo, falar daquilo outro… creio que devemos começar a falar também dos impactos ecológicos da medicina tradicional chinesa…
Ou será que a liberdade de expressão e o direito à crítica, tão louvados no mundo ocidental, servem apenas para atacar a nós mesmos, como se fôssemos a causa dos males do mundo, enquanto toda e qualquer prática “não ocidental” é tida como imune a críticas?

https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2023/03/finalmente-a-arvore-genealogica-do-jumento.shtml

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Café com leite?

(Foto: Internet.)


Faz algum tempo que tenho reduzido meu consumo de leite, e isto se dá mais pelas denúncias de adulteração do leite por seus produtores do que por outros motivos. Às vezes ainda ponho um pouco de leite no café (adoro café bem forte, puro ou com leite), mas passei a fazer isto apenas em minha casa: depois do que se tem visto nos últimos tempos, não quero ser tomado por supremacista "branKKKo" ao ser visto bebendo leite em público.
Mas agora a coisa se complicou: estão dizendo por aí que beber café também está sendo considerado um ato racista, pois o café foi "criado por negros para negros" (o café é originário da Etiópia), e depois os "branKKKos se apropriaram dele e o inseriram na lógica do capitalismo".
Parece que alguém lançou nos States essa ideia de considerar racista o beber café, e rapidinho ela chegou aqui. Não é de espantar ninguém: nossa submissão aos ianques e nossa imitação de tudo o que rola na Gringolândia são totais.
Propõe-se até boicote ao café e às cafeterias. É sério isso ou se trata de mais uma piada para conseguir "biscoitos" na Internet?
Pensando bem, um branco chamado Lineu deu ao café um nome equivocado: "Coffea arabica". Não deveria ser "Coffea ethiopica"? 🤔
Se querem achar em quem pôr a culpa disso, culpem os árabes, que levaram o café da Etiópia para difundi-lo em seu império, e depois os turcos, que o espalharam em seus domínios e mais além.
Conta-se que, quando os turcos tentaram conquistar Viena, algumas sacas de café caíram em poder dos defensores da cidade, que o experimentaram e adoraram! Se os turcos não tivessem tentado conquistar a Europa Central... os europeus e suas ex-colônias talvez ainda estivessem bebendo vinho com água quente de manhã. 😋
Acho que vou parar de beber café também. Não quero ser tido por racista. Há até quem me considere um autêntico "louro alto tipo nórdico" (?!), mas ser considerado supremacista "branKKKo" já é demais... E só por causa de um cafezinho!
E, antes que alguém toque no assunto, informo que já faz mais de um ano que não tomo açaí, pois não quero ser acusado de apropriação gastronômica da principal iguaria amazônica.
Sigam meu conselho: açaí só para os paraenses!

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domingo, 12 de março de 2023

Da Baleia ao Rei do Crime

Estão dizendo que o filme "A Baleia" (The Whale, EUA, 2022), dirigido por Darren Aronofsky e estrelado por Brandon Fraser, é gordofóbico, pois mostra a personagem principal de forma negativa. Será?
Não sei dizer, pois ainda não vi o filme. Mas, a julgar por comentários e resenhas que li, tais críticas não têm fundamento e resultam da visão equivocada de que pessoas pertencentes a grupos minoritários são essencialmente boas. É a nova versão do mito do bom selvagem.
O filme mostra um homem obeso, que sofre pelo peso excessivo; mas, como todo ser humano, ele é uma pessoa com suas facetas positivas e negativas, além das inevitáveis idiossincrasias que cada um tem. O que há de anormal nisso? Isso é motivo para que o filme seja considerado gordofóbico?
Ninguém é necessariamente bom por ser gordo, negro, mulher, LGBT etc., nem mau por ser magro, branco, homem, hétero...
Mas... E o tal Rei do Crime?
Wilson Fisk, conhecido como Rei do Crime (nome original: "Kingpin") é uma personagem das histórias em quadrinhos da Marvel Comics. É um homem careca e muito gordo, imenso como um lutador de sumô, o que não o impede de ser extremamente forte e ágil; alia-se a isto sua grande inteligência, com que controla o crime na cidade de Nova Iorque. Costuma ser combatido por Homem-Aranha, Justiceiro e Demolidor, este o seu maior inimigo. O embate do criminoso Wilson "Rei do Crime" Fisk contra o Demolidor rendeu uma série de HQs na década de 1980: "A Queda de Murdock", escrita e desenhada por Frank Miller e tida como um clássico do gênero.
Aguardemos os próximos filmes da Marvel para ver se aparecerá em algum deles o Rei do Crime.
Se ele aparecer, e se não for toscamente emagrecido por qualquer motivo, com certeza poderá haver duas formas de recepção negativa à constituição dessa personagem no filme (por quem não a conhece, obviamente): ou se reclamará de que o vilão é gordo (pois, afinal, um gordo não pode ser mau), ou se justificará seu comportamento criminoso como uma reação natural e compreensível à opressão social que sofre por ser gordo.
A ver.
Beijo do gordo!


sábado, 4 de março de 2023

Família real

(Imagem: www.emojiterra.com.br.)

Numa TV "news", a jornalista anuncia: "Clima tenso na família real".
Pensei: Qual família real? A japonesa? A tailandesa? Seria a do Brunei ou a do Lesoto?
E ela completa: "O príncipe Harry..."
Ah! Mas é claro! Por que eu estava em dúvida? Que idiota sou eu!
Não podia tratar-se de outra família real senão da família real britânica, A FAMÍLIA REAL.
Quando não se acrescenta nada à locução FAMÍLIA REAL, é claro que se trata do velho garoto Charlinho III com toda a sua prole e parentela, os reis de todos nós…
Ocorre o mesmo com o presidente dos Estados Unidos: quando se diz “o presidente Bush”, “o presidente Trump”, o presidente Biden” já se sabe de quem se está falando, não sendo preciso acrescentar mais nada. Ele também preside a todos nós.
Nada novo sob o Sol. Já vivemos sob o tacão do faraó, do xá, do tirano, do basileu, do imperador, do califa, do sultão, do emir, do paxá, do czar, do Kaiser, do Führer, do duce, do marajá, do micado, do generalíssimo… enquanto testemunhávamos, dos escombros de um império, o erguer-se de outro.
Há quem diga que o próximo império será o do WANG...

quinta-feira, 2 de março de 2023

Coxinha


Sempre gostei de coxinhas. Gosto não apenas das mais comuns e tradicionais — com recheio de frango desfiado, é claro —, mas também da coxinha "original", conhecida hoje em alguns lugares como coxa-creme: uma coxa de frango cozida, envolvida em massa de coxinha e frita. Uma delícia! Se algum dia puderem, experimentem-na. (Na cidade de São Paulo, sugiro a padaria Santa Teresa, na praça João Mendes, atrás da Catedral da Sé.)
Mas descobri que, além de devorador de coxinhas, também sou um "coxinha". Eis aí: um conhecido youtuber cabeludo e barbudo disse que jamais cortaria os cabelos nem rasparia a barba para não se transformar num... "coxinha"!
Hmmmmm... Não preciso definir o termo "coxinha", pois todo mundo sabe o que é um "coxinha".
Barbeio-me duas vezes por semana e nunca tive bigode; meus cabelos estão compridos por pura preguiça minha de ir ao barbeiro. (Desde que a pandemia começou, cortei os cabelos apenas uma vez, há um ano e meio.) Mantenho-os amarrados com elástico (rabo de cavalo); sou cabeludo — no momento — apenas de perfil ou visto de trás.
Sem barba nem bigode e cabeludo ocasional... sou "coxinha", então. Taí!
Portanto, se vocês não querem ser confundidos com "coxinhas", joguem fora os barbeadores e as tesouras, as navalhas e os raspadores, pois parece que o nível de coxinhice ou coxinhismo de um homem é inversamente proporcional ao comprimento de seus cabelos e barba.
Será que há mesmo alguma base para dizer que alguém é ou não "coxinha" por ser cabeludo ou careca, barbudo ou imberbe?
Seja como for, parece que num dos lados da linha temos Jesus Cristo, Rasputin e Charles Manson, e no outro... Bruce Willis, Jorge Lafond e Dráusio Varela!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Vermelho e amargo

 

(Foto: Shutterstock.)


Depois de toda a publicidade negativa dos últimos dias, além das piadas inevitáveis, talvez os apreciadores daquela bebida vermelha e amarga comecem a chamá-la pelo verdadeiro nome: BÍTER (do alemão Bitter). Será uma forma de evitar o estigma que começa a se colar em quem a bebe.
— Vou tomar uma cerveja! E você?
— Obrigado, mas já estou tomando um bíter com gelo...
#Campari não é a única marca de bíter, mas ocorre com Campari o mesmo que se dá com Cinzano (vermute tinto), Martini (vermute branco), Amarula (licor de marula), Underberg (fernet), São João da Barra (conhaque de alcatrão) e outras bebidas, além de Bombril (esponja de aço), Band-Aid (curativo), Gilette (lâmina descartável de barbear), Suggar (depurador de ar de cozinha), Q-Boa e Cândida (água sanitária)...
São muitos os casos de marcas cujos nomes se tornaram sinônimos dos próprios produtos, devido a seu pioneirismo ou qualidade reconhecida, mas isso tem também suas desvantagens.

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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

More than a feeling [Boston]

Um clássico de 1976: Boston, "More than a feeling". Os vocais de Bradley Delp são sensacionais, antológicos.
O trecho que vai dos 37" até 1'22", e se repete a partir de 2'35", é o ápice da canção. É de arrepiar!
Uma das coisas de que gosto neste vídeo do Boston é que os músicos, do vocalista ao baterista, parecem estar curtindo muito, desfrutando o momento, além de satisfeitos com o resultado do que estão fazendo. Isso para mim é bem visível.
É claro que outros artistas e grupos, em suas apresentações, sentem e aparentam o mesmo, mas este vídeo do Boston me chama a atenção também para isso.
Sem dúvida é um clássico do rock.






quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

E-sports

(Imagem: Bandai Namco.)

Numa realidade alternativa, os jogos eletrônicos ou "e-sports" são os mais populares em todo o mundo, estando presentes nas Olimpíadas e tendo como evento máximo a Copa do Mundo da FIESA (Fédération Internationale de E-Sports Association).
Nessa realidade, o jogador mais famoso de "e-sports", aclamado como Rei dos "E-Sports" e Atleta do Século, foi um brasileiro com apelido de Pelé.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Boca-livre


Chega de fascismo alimentar!
Deixem o povo pôr catchup na pizza, quebrar o espaguete antes de pô-lo na panela, combinar sushi com feijoada, fazer temaki de queijo com goiabada e esfihas doces ou de mortadela, pôr pimenta no sorvete e mirtilo na cachaça.
Deixem as pessoas usar quaisquer ingredientes à vontade, alterando receitas seculares, combinando-as e criando outras.
Deixem o pessoal adubar o hot dog com milho, repolho e batata-palha, e deixem os gringos rechear o pão de queijo com molho barbecue.
Comida também é cultura, e cultura se transforma, se difunde, se imita, se transfere, se herda, se admira ou se repele, se perde e se (re)cria... Cultura não tem dono.
E, por favor, não me olhem torto quando me virem tomando açaí com granola e banana!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Fantasias canceladas

Clóvis Bornay com uma de suas célebres e inigualáveis fantasias. (Foto: Reprodução do Gay Blog.)

Homens que se vestem de mulher no Carnaval estão sendo criticados e "cancelados". Diz-se que tais fantasias sao ofensivas a travestis.
Hmmmm... Aham... Sei.
Considerando-se a condição das odaliscas dos haréns do Império Otomano, creio que fantasiar-se de odalisca também não seja de bom tom — viu, @CarlaPerezCPX? Nem de gueixa. Ou de bruxa. Ou de chinesa da dinastia Song.
Certo estava Clóvis Bornay (1916-2005), que todos os anos vencia concursos com fantasias exuberantes com nomes do tipo "Sonho do Pavão Misterioso numa Noite de Verão na Ilha do Paraíso", que não faziam referência a nada conhecido e não podiam ser acusadas de apropriação cultural ou ofensa a grupos minoritários.
Bom, talvez fossem ofensivas às aves que perdiam suas penas para essas fantasias. Mas ninguém é perfeito...
O sonho não acabou, mas parece que a fantasia sim.
Lamento pelos brincantes, foliões, curtidores, carnavalescos e todos os que lotam os salões ou vão atrás do trio elétrico. Logo, fantasiar-se do que quer que seja não lhes pertencerá mais.

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domingo, 19 de fevereiro de 2023

A ponta feia da Dutra

Há alguns dias, alguém disse no Twitter, comparando os folguedos de Carnaval no Rio de Janeiro e em São Paulo, que "o Rio tem cultura de Carnaval, São Paulo tem apropriação cultural". Aliás, é uma droga que o estado e sua capital tenham o mesmo nome, pois nunca se sabe se os caras se referem a um ou à outra, e talvez nem eles mesmos saibam ou causem confusão de propósito. Fingem-se de sonsos.
Descobri ali no Twitter por que não gosto de Carnaval: sou paulistano e não vejo o Carnaval como algo típico da cidade de São Paulo, por isso nunca gostei dele. Foi apropriado culturalmente, logo não é nosso. Taí. Valeu!
(Bom... Eu desfilei num bloquinho ou bloco do meu bairro em 1991; mas, em minha defesa, foi porque eu e alguns colegas estávamos paquerando umas garotas que desfilaram também. Não deu em nada. Fiquei a ver navios. Só perdi meu tempo e me cansei. Não digo que me arrependi, pois foi uma experiência interessante, que não mais repeti nem o pretendo fazer.)
Mas isso é apenas uma opinião minha, que alguns tomarão por tosca. Tô nem aí. Não sou contra o Carnaval, apenas não o pulo/brinco/curto/desfruto (escolham o verbo que quiserem conforme seus locais de origem).
Agora, na Folha de S. Paulo, um cavalheiro se refere a São Paulo como "a ponta feia da Dutra"; para completar, comete preconceito linguístico ao criticar o uso do termo "bloquinho", usual em SP, dizendo que ele não se pode aplicar ou usar no RJ, pois ali não há bloquinhos, há apenas blocos.
O mais espantoso é que um Marcos Bagno não aparece numa hora como esta para dar um pito nos glossofóbicos de plantão. Parece que, se é contra SP, preconceitos linguísticos e outros estão liberados: se é a principal, a mais importante, a mais rica cidade do Brasil, pode-se malhar à vontade! Tá liberado!
Mas experimente algum paulista dizer que em São Paulo não existem biscoitos, apenas bolachas...


https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/carnaval/2023/02/bloquinhos-nao-passarao.shtml

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sábado, 18 de fevereiro de 2023

Etenílson comenta: #PaollaOliveira

 

(Foto: Paolla Oliveira/Instagram.)


Tenho um amigo alienígena chamado Etenílson, vindo do planeta Xistê. Etenílson é apaixonado pela cultura terráquea, que ele estuda todos os dias: ele lê jornais, vê TV, ouve rádio, sem falar nos blogues e redes sociais que acompanha com interesse.
Regularmente nos encontramos para tomar cerveja romulana e conversar sobre os assuntos do momento, e nessas ocasiões ele me pede impressões sobre coisas que não entende.
Ontem, entre uma e outra golada da deliciosa cerveja azul proibida em todos os planetas da Federação, ele me pediu opinião sobre a atriz Paolla Oliveira.
— Que tem ela? — perguntei.
— Estão comentando negativamente sobre o formato do corpo dela. Por que isso? — disse Etenílson.
— No planeta Xistê as pessoas não reparam nos corpos das outras pessoas?
— Ora, é claro que reparam. Lá, como cá, ninguém é de ferro, e todo mundo repara, principalmente quando se vê na rua uma xisteense com o seio belíssimo, grande, firme.
— Você quis dizer: "seios belíssimos, grandes, firmes".
— Não, eu disse seio mesmo. As xisteenses têm apenas um seio. Mas em compensação têm duas...
— Mas você ia dizendo que lá também os xisteenses falam uns dos outros...
— Não! — respondeu enfaticamente Etenílson. — As pessoas olham, é claro, observam tudo, reparam, têm suas impressões, tiram suas conclusões ou tecem suas opiniões, mas ninguém critica alguém por causa da aparência. O xisteense pode até não achar algo bonito, mas quando o assunto não é de sua conta, prefere abster-se de comentar.
— Seu povo é sábio — disse eu. — Com certeza tem milênios de evolução a mais que nós.
— Recentemente muitos terráqueos fizeram o mesmo com a cantora Madonna — continuou Etenílson. — Disseram que está velha e feia. Mas todos envelhecem, não é? E não dizem que beleza é algo relativo? E a aparência de Madonna diz respeito apenas a ela. Por que essa celeuma toda?
— Você está indo bem! Já diz até "celeuma"...
— Acho que ainda ficarei na Terra por um bom tempo. Muitas coisas que vocês terrestres fazem eu ainda não entendo.
— Amigo Etenílson, muita coisa aqui da Terra eu também não entendo...
 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

A alegria do gol

Pelé comemorava seus muitos gols com o peculiar soco no ar, que se tornou um registro seu inconfundível e imitado por outros goleadores. Mas ele não foi o único a deixar sua marca ao comemorar um tento.
Nos anos 1970, o atacante Caio Cambalhota, irmão dos também craques Luisinho Tombo e César Maluco, ao fazer um gol, comemorava dando cambalhotas. Fez sucesso e foi campeão no Botafogo, no Flamengo e no América do RJ.
Na mesma época, outro atacante ficou famoso ao comemorar seus gols: Mickey, herói do Fluminense na conquista da Taça de Prata de 1970, comemorava levantando os braços e fazendo V com os dedos, o que o deixou conhecido como um homem de "Paz e Amor".
Josimar, lateral do Botafogo, jogando pelo Brasil marcou dois golaços na Copa do Mundo de 1986 (contra Irlanda do Norte e Polônia) e contagiou a torcida ao comemorar sambando e esbanjando alegria, o que inspirou a criação da revista esportiva norueguesa "Josimar Fotball".
Hoje leio que o jogador Nathan Cachorrão, do Fluminense do Piauí, faz jus ao nome: comemora seus gols imitando um cão a urinar na bandeirinha de escanteio...
Aliás, Cachorrão parece estar querendo inscrever seu nome no rol da história dos catimbeiros e causadores de confusão dentro de campo, como os célebres André Catimba e Almir Pernambucaninho: recentemente, Nathan lambeu o nariz de um adversário e recebeu um soco dele, o que causou a expulsão do lambido.
Pois é... Quem disse que o futebol não evolui? Suas peculiaridades e dinamismo, sua capacidade de revelar as facetas do ser humano explicam por que é o esporte mais popular do mundo.

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2023/02/10/ex-inter-que-lambeu-nariz-de-rival-comemora-gols-imitando-um-cao-urinando.htm

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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Ladrão por ladrão…

 

(Imagem: Internet.)

Uma das personagens mais infames e execradas da história da Amazônia brasileira foi Sir Henry Wickham (1846-1928), um faz-tudo inglês sobre o qual o jornalista Joe Jackson escreveu um livro, publicado no Brasil com o sugestivo título de O Ladrão no Fim do Mundo (Objetiva, 2011).
Ladrão? Sim, senhoras e senhores. Ladrão. Mas também biopirata, contrabandista, vagabundo, herói do Império… a depender do ponto de vista.
“‘Que foi que ele roubou? Que foi que ele fez?’ Os brotos responderam todos de uma só vez…”
Não, não, não, não. O malandro do Wickham não roubou um coração nem uma joia pendurada num cordão; seu roubo foi de muito maior monta: ele contrabandeou para a Inglaterra sementes de seringueira (Hevea brasiliensis), que foram cultivadas e melhoradas nos laboratórios botânicos de Sua Majestade.
Em sua perambulação pelo mundo, Wickham chegou à cidade paraense de Santarém em 1871, onde morou por alguns anos, tentando cultivar seringueiras. Encontrou apoio na comunidade de norte-americanos, que era numerosa e importante na região. Com certeza ele se sentiu em casa…
Muita gente não sabe que os estadunidenses confederados que emigraram para o Brasil após a derrota na Guerra Civil Americana (1861-1865) não se estabeleceram apenas no interior de São Paulo, onde seus descendentes ainda hoje fazem Festas Confederadas, com trajes e comidas da época, e hasteiam bandeiras da Dixieland; muitos americanos se fixaram em outras partes do País, como em Santarém, no Pará. Algumas famílias e indivíduos ficaram pouco tempo em Santarém e retornaram aos Estados Unidos, mas várias famílias americanas se estabeleceram definitivamente na região Oeste do Pará, deixando seus sobrenomes na antroponímia local, e parte de seus descendentes paraenses ainda se orgulha de sua origem confederada.
Mas voltemos a Henry Wickham. Em 1876, possivelmente com a ajuda de gente da região, Wickham juntou, empacotou e acondicionou cuidadosamente em cestos cerca de 70 mil sementes de seringueira, enganou os agentes da fiscalização em Belém do Pará e levou as sementes para a Inglaterra. As mudas conseguidas a partir dessas sementes foram plantadas em possessões britânicas no Sudeste Asiático, e essas seringueiras de além-mar, sem as pragas e outros empecilhos naturais amazônicos, adaptaram-se muito bem lá, produziram muito e causaram grande impacto no mercado internacional de látex. Era o fim do monopólio sul-americano da borracha, e dos efeitos dessa débâcle a Amazônia brasileira demorou muito a se recuperar – se é que se recuperou…
Anos depois, sua contribuição para o Império Britânico seria, enfim, reconhecida, e graças a isso Wickham seria armado cavaleiro de Sua Majestade. De vagabundo a gentleman, de biopirata a Sir!
Mas este artiguinho não se acaba aqui. A história humana é complicada, a brasileira é ainda mais, e as coisas nunca são tão simples como parecem… Passemos da borracha para o café.
Ainda me lembro das aulas de história do antigo ginásio. Aprendi então que o cultivo do café foi introduzido no Brasil, mais precisamente na então província do Grão-Pará, por Francisco de Melo Palheta (1670-1750), militar luso-brasileiro nascido em Belém. Palheta, numa missão para restabelecer a fronteira com a Guiana Francesa, foi até Caiena, onde conseguiu, clandestinamente, sementes e mudas de cafeeiro, que ele plantou e cultivou em suas terras na cidade paraense de Vigia.
Segundo consta, as sementes e mudas foram um presente da esposa do governador de Caiena… Qual terá sido a ligação entre Palheta e a esposa do governador? Não o sei, apenas suponho. Já nos dias atuais não adiantaria esconder o affair, pois uma hora ou outra ficaríamos sabendo de tudo através da imprensa de fofocas.
O cultivo do café era assunto de Estado na França, na Holanda e na Inglaterra, que exerciam grande controle de suas colônias para evitar o contrabando de suas sementes e mudas para os concorrentes. Mas os franceses não esperavam que a esposa do governador de Caiena fosse generosa além da conta com o enviado da Coroa Portuguesa, não menos ladrão de “commodities” do que outros antes e depois dele, incluindo-se na longa lista nosso conhecido Wickham.
O resto é história. A cultura do café espalhou-se pelo País, e o “ouro negro” dominou nossa economia até o século XX. No Império e na República, o Brasil ficou sob o domínio do Rei Café por muito tempo.
Pois é isto: ora roubando aqui, ora sendo roubado ali, assim também se fez a história do Brasil.
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Bênçãos ou benções?

Por mais incrível que possa parecer, ambas as formas são corretas.
O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) registra as formas BÊNÇÃO (paroxítona) e BENÇÃO (oxítona) — observe-se o acento circunflexo a marcar a sílaba tônica da primeira forma.
O plural de BÊNÇÃO é BÊNÇÃOS, enquanto o plural de BENÇÃO é BENÇÕES.
Portanto, ainda que BENÇÃO e BENÇÕES sejam pouco usadas e pareçam formas estranhas, são tão corretas quanto as mais usadas.
Por causas diversas, muitas palavras de nossa língua têm formas duplas ou até triplas, todas atestadas em textos de autores de várias épocas e registradas em dicionários e gramáticas.
O mais adequado é preferir a forma corrente e mais usada, mas sempre há quem resgate, propositadamente ou por acidente — sem querer querendo! (ou apenas sem querer mesmo) —, uma forma variante pouco usada ou quase esquecida, iniciando involuntariamente discussões inócuas sobre sua correção e adequação.
Consultem-se sempre dicionários e vocabulários — se possível, mais de um.

ADENDO: Consultei as versões eletrônicas, disponíveis na Internet, dos dicionários portugueses Priberam e Porto e dos brasileiros Michaelis e Caldas Aulete (não tive acesso ao Houaiss nem ao Aurélio). Apenas o Aulete (obra de origem portuguesa, depois adaptada e muito ampliada no Brasil) corrobora o VOLP e registra a variante BENÇÃO, cuja entrada reproduzo abaixo:

benção
s.f. || forma antiga e popular de proferir bênção. Cp. bênção. F. lat. Benedictio, onis.

A forma BENÇÃO é, pois, no mínimo um arcaísmo, mas daqueles que ainda resistem na fala popular de certas regiões do País; daí o sabor regional e do "tempo do rei" que ainda conserva em nossos ouvidos. Quem nunca recebeu a BENÇÃO de uma pessoa mais velha?
E parece que, em contextos familiares, foi substituída por BENÇA, ficando a impressão de que nos meios populares se vê BENÇÃO como forma mais polida e solene.
Uma explicação para a sobrevivência dessa forma talvez seja sua analogia com os substantivos terminados em -ÃO, quase todos oxítonos. Exceções paroxítonas como ACÓRDÃO e ÓRGÃO são raríssimas; a forma paroxítona ZÂNGÃO foi há muito tempo posta de lado pela oxítona ZANGÃO, também correta.
Assim, mesmo que a forma usada na língua culta ou padrão seja BÊNÇÃO, o semiarcaísmo BENÇÃO ainda nos fará companhia por algum tempo, emergindo vez ou outra até sumir por completo — se é que sumirá algum dia. Como disse Câmara Cascudo: "O povo conhece seu vocabulário".
Critiquem-se pessoas, mas respeitem-se os fatos linguísticos.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Biscoito ou bolacha?

Apenas bem recentemente aprendi o significado de BISCOITO, BISCOITEIRO, PEDIR BISCOITO etc. no jargão das redes sociais e Internet. Aprendi também a identificar biscoiteiros; ja conheço um monte deles, entre anônimos e celebridades.
Mas descobri que não gosto de biscoiteiros... mesmo que se apresentem como bolacheiros. 🤔

Não vos arrependais!

NÃO VOS ARREPENDAIS!
Diz a sabedoria popular brasileira: “Na vida a pessoa deve arrepender-se apenas do que não fez”.
Qual! Sempre que ouço esse clichê, lembro-me de Hitler, Mussolini, Stálin, Franco, Pol Pot, Idi Amin Dadá, Stroessner, Pinochet, Pai e Filho Doc e outros facínoras que, com toda a certeza, morreram sem arrependimento por seus crimes, convictos de que tinham feito a coisa certa.
Aparentemente, para os defensores desse estilo de vida sem reflexão ou arrependimentos, não importa se aquilo que se fez ou se deixou de fazer é/foi bom ou mau, se beneficiou ou prejudicou outras pessoas. "Deu vontade? Faça-o!"
Já para mim, ninguém pode fazer tudo o que quer; não reconhecer os erros cometidos é uma boçalidade, e a ideia ou filosofia de que ninguém deve arrepender-se do que fez errado é uma boçalidade ainda maior.
O reconhecimento dos próprios erros é, a meu ver, um passo importante para o crescimento moral do indivíduo. Errar é humano – todos sabemos disso, porém o egotismo sob o qual vivemos insiste, a todo momento, que nos julguemos sempre certos, mesmo quando estamos redondamente errados.
Mas talvez seja esse o segredo de tanta gente que vive feliz da vida, desencanada de tudo, cantando e andando para o que faz ou deixa de fazer – errado ou não, pois… quem está julgando? (O ego deles é que não está.)
Estaria eu, então, generalizando minha própria experiência, minhas próprias concepções da vida?
É que me lembro de todas as coisas erradas que fiz e disse – e arrependo-me de cada uma delas…

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Muito barulho por nada

“Quem sabe, faz; quem não sabe, fala” — dizia meu primeiro patrão. “Quem conhece, conhece” — dizia meu sogro.
Sempre me lembro dessas duas frases, ditas por duas pessoas com quem muito aprendi, quando topo com gente que faz demasiado cartaz de si mesma, mas, quando precisa mostrar ou entregar o que divulga e promete, frustra essas expectativas e não corresponde aos reclames que faz. Promete-se uma tremenda explosão de arrasar quarteirão, mas o que se ouve é um quase insonoro traque. A montanha pariu um rato.
Conheci uma pessoa nada modesta, autoproclamadamente  empoderada e com orgulho nas alturas, além de muita empáfia, que vivia a gabar-se de suas origens e múltiplas capacidades e tarefas. “Puxa! Tudo isso?” — logo pensei. Tive depois a oportunidade de verificar um dos trabalhos dessa pessoa: fiquei um tanto frustrado, pois pensei que seria bem melhor do que aquilo. A julgar pela autopropaganda…
Não sou moralista nem censor do comportamento alheio — que, aliás, pouco me importa, desde que seus efeitos não me atinjam nem a terceiros. Já vai longe o tempo em que o poeta do Eclesiastes pregava: “Vaidade das vaidades, vaidade das vaidades, tudo é vaidade!” (Ecl 1, 2).
Também já não vivemos na época em que a vaidade (ou soberba, ou orgulho) era um dos sete pecados capitais, quando até letrados e sábios se policiavam para não deixar ver a mínima nesga de orgulho por sua erudição dos autores clássicos, da patrística e das Escrituras, não poucas vezes conquistada ao longo de noites em claro, sob a parca luz de lamparinas, debruçando-se sobre manuscritos carcomidos e semiapagados.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, como sabiamente poetou Camões. A cultura mudou-se, e o orgulho deixou de ser algo negativo. Muitas pessoas célebres são conhecidas por sua vaidade, por sua elevada autoestima, que são também elementos-chaves da cultura globalizada atual, tanto nas relações pessoais e de trabalho quanto na oferta e consumo de todo o tipo de produtos. A palavra "orgulho", com nova nuance, passou a ser usada nas mais variadas situações, sempre com valor positivo. Hoje, tem-se até orgulho de ter orgulho!
De minha parte, nada contra. Tenha-se orgulho à vontade. Não estou nem aí. Mas que isso seja, pelo menos, por motivos reais: que se tenha orgulho do serviço bem-feito, do trabalho bem-apresentado, da tarefa executada no prazo, do cliente satisfeito, das coisas em seus devidos lugares.
Se é para se gabar, que pelo menos seja por um bom motivo.

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Reinventando a roda

(Foto: Wikipédia.)

Há alguns anos, certo programa de TV "made in Manhattan" louvou um professor universitário norte-americano que defende a "procrastinação da criatividade" no mundo corporativo: ao invés de se "precrastinar" tudo, fazendo as coisas logo para se livrar delas e ganhar tempo ("time is money!"), ele propõe que se dê tempo ao exercício da criatividade para aproveitá-la melhor.
Muito interessante... mas nenhuma novidade!
Explico-me:
Há uns 2.000 anos, em sua célebre "Epístola aos Pisões", mais conhecida como "Arte Poética", o romano Quinto Horácio Flaco já falava sobre isso, ao criticar obras literárias feitas apressadamente e com pouco conteúdo artístico.
Horácio condenava os poetas preguiçosos, que publicavam suas obras sem passá-las por minuciosa e demorada revisão, e sugeria que um poema só poderia ser dado a público depois de apurado e polido longamente até não se encontrar nada a desaboná-lo.
Ou seja: a obra literária, assim como as outras peças artísticas, deve ser longamente pensada, limada, aparada, rasurada, revisada até que esteja pronta, sem nada para tirar ou acrescentar. E diz mais Horácio: sugere que a obra seja submetida a crítico de confiança e fique em repouso por oito (!) anos até ser publicada ou descartada.
As coisas estão um pouco diferentes de como eram na Roma do século I d.C.: hoje ninguém espera oito anos para publicar um livro, a não ser que não encontre editor (e as possibilidades atuais de editar textos em formato digital e publicá-los na Internet resolvem o problema dos que não se apegam ao livro impresso); mas ainda se precisa de tempo para fazer bem uma tarefa, seja ela qual for — seja um trabalho manual ou intelectual.
Nada mudou: desde um cortador de pedra ou carpinteiro egípcio até os projetistas de carros, aviões ou telefones celulares de hoje, passando pelos poetas, escultores, pintores, médicos, professores e advogados, aquilo de que um profissional mais precisa é de TEMPO.
É o desconhecimento do passado que leva a surgir, de vez em quando, gente a reinventar a roda ou redescobrir a América, propondo como novidades coisas antigas ou pouco conhecidas.
Resumiu tudo isso Fernando Pessoa, quando disse:
"E por isso a sua glória / É justa auréola dada / Por uma luz emprestada".

Gênero ministerial

No Brasil não faltam pessoas capacitadas, com formação em áreas diversas, para assumir o Ministério da Saúde e outras pastas. E as mulheres são metade ou mais desse grupo, como o demonstram as estatísticas.
Assim, nada há de extraordinário na nomeação de uma ministra da Saúde, a não ser o ineditismo do fato.
Mas não se venha dizer que o Ministério da Saúde precisa da SENSIBILIDADE de uma mulher, pois isso é um clichê machista — clichê que, se deve ser rechaçado quando dito por gente de direita, também deve ser repelido seu uso pela esquerda.
Também não se diga que se trata de concordância com o gênero gramatical da palavra "saúde": dizem alguns que, se "saúde" é palavra de gênero gramatical feminino, logo o respectivo ministério deve ser comandado por mulher.
Ora, isso é ridículo. Que dizer então, por exemplo, do Ministério dos Transportes?
Bom, neste último caso, em havendo a necessidade ou obrigação de efetuar a concordância de gênero ministerial, sempre se pode trocar "transporte" por "transportação" ou "transportabilidade" — não será por falta de termos convenientes, pois, ao contrário do que se pensa, nosso idioma nada deve às línguas gringas, inclusive nos quesitos "expressividade" e "abundância vocabular".
Já os saudosistas e simpatizantes da cultura "vintage" podem pleitear a volta do Ministério da Viação Pública...