segunda-feira, 8 de maio de 2023

Coletivo universitário

O trajeto é curto, mas usar o ônibus da universidade às vezes nos propicia experiências curiosas e dignas de observação.
Sempre se acha alguma coisa dentro do veículo, por exemplo. Além de garrafas vazias de água e embalagens de guloseimas, já achei até um par de meias dentro do ônibus; e, recentemente, ao me sentar num dos assentos, vi no chão algo muito esquisito. A julgar pela aparência meio escurecida e encarquilhada, pensei que um morcego tinha entrado no ônibus, morrido dentro dele e se mumificado ali. Mexi naquilo com a ponta do guarda-chuva e verifiquei que era apenas uma casca de banana ressecada.
Tentar entrar no veículo já propicia a observação da vida como ela é. Não se formam filas nas paradas do circular universitário, mas sim bolos de gente que se amontoam em frente à porta do ônibus quando ele para, formando um funil para embarcar nele. Chegar cedo não é garantia de entrar primeiro e tomar um assento vazio. Não raro alguém chega quando o carro já está parado e com os passageiros entrando, e na maior caruda se enfia entre o povo e embarca antes de quem já estava lá. Fura o funil! E sob os protestos de... ninguém. A palavra “fila” deve estar em falta nos dicionários de muita gente.
Geralmente eu chego um pouco antes da saída do ônibus e entro nele por último, mesmo que tenha sido um dos primeiros a chegar ali. Deixo que todos entrem e depois entro eu, mesmo que fique em pé. Pressa para quê?
Acho que causo certa estranheza a alguns alunos, que talvez me olhem com curiosidade. Tenho o dobro da média de idade deles e estou sempre com meu crachá visível. Poucos servidores usam o ônibus da universidade, pois muitos deles têm carro, e talvez os alunos me vejam ali como um tipo de espião ou olheiro da instituição… (Ou pareço eu um barnabé fracassado?) A falta de confiança em quem tenha mais de 30 anos parece ainda estar valendo!
Há algumas semanas, entrei por último e vi um assento vazio no fundo do ônibus. No meio do corredor, um casal de estudantes: um dos membros do casal, sentado num banco; o outro, ao lado e em pé, com uma mochila enorme nas costas e abraçado a quem estava sentado. O corredor estava quase totalmente bloqueado. Com o carro já em movimento e chacoalhando-se, cheguei perto da dupla e disse: “Com licença”. Sem resposta. Repeti com mais ênfase: “Com licença!”. Nada. Estava diante de uma rocha, uma coluna ali plantada. Fiquei nas pontas dos pés, espremi-me como pude e passei quase deslizando sobre o mochilão. Acho que nem perceberam.
(Nas costas de algumas pessoas, mochila parece corcova, que num camelo ou dromedário tem sua utilidade, dada pela natureza.)
Sentei-me no banco vago no fundo do ônibus e fiquei observando o casalzinho ali no meio do corredor, no maior “love”, numa “nice”, ambos alheios ao entorno, e um deles atravancando a passagem.
Logo me veio à mente isto: aquele indivíduo não sobreviveria um dia no transporte coletivo de São Paulo.
Fiquei imaginando alguém bloqueando daquele jeito o corredor de um ônibus da linha Perus-Pinheiros, ou da linha Horto Florestal-USP, ou Jardim Míriam-Vila Gomes, ou Penha-Lapa, Lapa-Socorro, Socorro-Limão, Jardim das Oliveiras-Parque D. Pedro II, Capelinha-Praça da Bandeira…
Seria comido vivo.

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