quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Reconquista futebolística

(Imagem: Wikipédia.)

Numa realidade alternativa*, a reconquista cristã da península Ibérica jamais ocorreu.
Após a invasão muçulmana de 711 da Era Comum**, comandada por Tárique, cujas tropas atravessaram as Colunas de Hércules e mudaram o curso da história, diversos impérios muçulmanos, sediados na própria península ou fora dela, alternaram-se no domínio da Ibéria e de outras partes da Europa até meados do século XX (fins do século XIII da Hégira), quando se iniciou o processo de descolonização de Al-Ândalus e outras terras que, depois de mais de 12 séculos de colonização e domínio islâmico, voltaram a ser governadas pelos próprios infiéis, para desgosto dos crentes.
Surgiram diversas monarquias e repúblicas, cujas populações, de forma espantosa, tinham permanecido predominante e culturalmente cristãs e falantes de línguas românicas, celtas, germânicas ou bascas: Galiza, Aragão, Algarve, Leão, Castela, Astúrias, Occitânia, Aquitânia, Vascônia, Francônia, Barcelônia, Provença...
A coragem e determinação desses povos na resistência política e pela manutenção de sua cultura, em face de dominadores tão poderosos e sofisticados, é até hoje exemplar e inspiradora para muita gente, não somente no campo político.
Na Copa do Mundo de 2022, realizada na Irlanda (a primeira num país cristão), a sensação foi a seleção do Algarve, que eliminou as seleções do bicampeão mundial Egito e do Marrocos, três vezes campeão mundial.
Metade dos jogadores do Algarve naquele campeonato tinha nascido fora do país: eram filhos de imigrantes algarvianos estabelecidos em ricas ex-metrópoles — na Otomânia, no Irã, no Egito, na Grã-Mugália ou no Magrebe — que escolheram defender a seleção do país de seus pais, para alegria e delírio da galera decolonial.
"Viva a alegre seleção do Algarve, civilização ibérica invadida pelo Magrebe, que derrotou Egito e Marrocos!"; "O castigo para os árabe-islâmicos tarda mas não falha!"; "Alá é grande, mas Deus é algarbiense!"; "Al-Maraduna*** virou Al-Mara-Nada!" — estes e outros ditos de triunfo semelhantes circularam muito por aqueles dias de euforia, quando o selecionado de um humilde e pequeno país ibérico humilhou as potências políticas e econômicas nos campos da Irlanda, redimindo e alegrando os povos oprimidos e os trabalhadores imigrantes — pelo menos enquanto durou a cerveja****...

* Isto é um exercício livre de ficção alternativa contrafactual. É tudo invenção. Entrem no espírito da coisa, por favor. Não me levem a sério. 😉
** Algumas pessoas parecem achar que antes de 711 não existiam populações humanas na península Ibérica. Só isso explica certas besteiras que se leem por aí na rede. Ou é ignorância ou má-fé.
*** O egípcio Al-Maraduna, nessa realidade alternativa, foi um dos maiores jogadores do mundo, tendo capitaneado sua seleção na conquista do bicampeonato mundial em 1986, na copa realizada em Sumatra.
**** Contrariando decisão da FIFA, presidida por um ex-árbitro de Timbuctu, o rei irlandês João IV O'Brien liberou a cerveja nos estádios.

domingo, 11 de dezembro de 2022

Fã desde criancinha

— Quem? Ah! Sim... Sei... Claro! Exatamente! Conheço muito. Desde criancinha. Dou o maior apoio. Brincava com minha irmã. Jogava bola com meu primo. Tomava café na casa de minha avó. Sou fã de carteirinha. Amooooooooo! ❤️

É melhor confirmar que conhece e aprecia o(a) famoso(a), cortando logo o papo. Pronto!
Hoje em dia, dizer que desconhece e/ou não curte alguma celebridade que esteja por aí bombando é considerado de mau tom, elitismo, pedantismo, esnobismo, intelectualismo, discriminação contra as escolhas e cultura do povo, mau-caratismo — crimes passíveis de punição por cancelamento.
Seja como for, dizer que gosta de tais figuras não machuca ninguém. É uma mentirinha justificada pela necessidade.
Que seria de nossa civilização e das relações sociais se disséssemos sempre a verdade?

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Péssima arbitragem

(Imagem: Internet.)

Numa realidade alternativa, a China não foi "boazinha", como se diz por aqui, e decidiu expandir-se: conquistou grande parte do mundo e espalhou por todos os continentes sua língua, cultura e instituições, entre elas a prática do futebol, de cuja invenção os chineses se gabam. (Há 2 mil anos, um esporte semelhante ao futebol era parte do treinamento militar das tropas imperiais.)
Mas logo os chineses perderam a primazia no esporte que criaram, pois só conquistaram a Copa do Mundo uma vez, em 1966, quando a sediaram.
Na final, ocorrida em Pequim, a China venceu o Japão por 3x2, e a imperatriz chinesa entregou a taça ao capitão da equipe imperial, Wang Lipei, que a recebeu com a empáfia de costume.
Até hoje, porém, nessa outra realidade, os japoneses reclamam da péssima atuação do trio de arbitragem cambojano, pois alegam que o terceiro gol chinês teria sido marcado em impedimento, além de terem sido anulados dois gols legítimos do artilheiro japonês Akira Yamashita.
Alternam-se as realidades, dando-se liberdade à imaginação, mas o futebol permanece o mesmo. Ou não?

Anarcossupermercadismo


Com poucas coisas na cesta do supermercado (numa loja de uma rede gringa das Europas), procurei os caixas específicos para compras pequenas (até 15 itens). Estava aberto apenas um caixa rápido, que já atendia a uma cliente, e havia uma fila com outras três pessoas: um homem idoso de cabelos brancos com um saco de pão e duas mulheres com carrinhos. A fila estava um pouco afastada do caixa e entrava por um corredor. Era uma fila única.
Entrei na fila. Logo chegou uma mulher com dois potes de sorvete e se posicionou atrás de mim.
O caixa se desocupou e chamou o primeiro cliente, o velhinho de cabeça branca com os pães. Ao mesmo tempo, abriram um segundo caixa rápido, que chamou a segunda da fila, uma mulher com dois peixes enormes no carrinho.
Mas, assim que ela entrou no caixa 2, pôs-se atrás dela um cara com um refrigerante de dois litros. Outras pessoas já se colocaram atrás dele. A mulher dos dois potes de sorvete gritou:
— Ei, estão formando fila no caixa 2 e passando na nossa frente!
A mulher que estava antes de mim, que era a próxima a ser chamada, também gritou:
— Ei, aqui é fila única, e vocês estão passando na nossa frente!
Ela empurrou o carrinho para o caixa 2:
— Você tem só um refrigerante e eu deixarei passar. Mas eu estou aqui esperando faz tempo. Sou a próxima.
A mulher dos potes de sorvete colocou-se logo atrás dela na fila.
Pensei: "Ficarei aqui mesmo na fila do caixa 1..."
Quando olhei, havia uma mulher na minha frente com uma cesta de compras e cara de paisagem. O velhinho dos cinco pãezinhos (sim, o saco era transparente e pude contá-los) ainda estava pagando sua compra — um processo que parecia interminável, não sei por quê —, e a recém-chegada, saída de não sei onde, era a próxima da fila!
Enquanto eu pensava na minha sina de recenseador de furadores de fila, percebi que estava assistindo a um fato social e histórico, do qual eu também participava: um grupo de clientes tentou, por iniciativa própria e de forma ANÁRQUICA, sem que o próprio supermercado se importasse com isso ou os ajudasse, criar um sistema de fila única para os caixas rápidos. Mas o experimento foi logo abortado pela LIVRE INICIATIVA de alguns clientes, que viram uma OPORTUNIDADE e foram para os caixas sem atentar para (ou sem se importar com) a fila única já existente ali.
Para mim, ali se via uma demonstração de que, sem a presença do ESTADO ou outra AUTORIDADE a regular minimamente as relações sociais com vistas ao bem comum, qualquer cidadão com um mínimo de poder ou oportunidade logo oprime os que lhe são imediatamente mais fracos, o que corrobora a máxima hobbesiana de que "o homem é o lobo do homem" — até numa fila de caixa de supermercado!
No caixa 2, a mulher dos potes de sorvete já tinha pago sua compra e ido embora; outros eram atendidos. No caixa 1, o cabeça-branca finalmente terminou de pagar seus pãezinhos, e foi chamada ao caixa a mulher que me furou a fila, a da cara de paisagem.
Eu não disse nada. Fingi que nem percebi o ocorrido. Apenas sorri e acenei, rapazes, sorri e acenei.
Afinal, na minha condição de macho branco europoide cis hétero ocidentalizado e cristão, que LUGAR DE FALA tenho eu para reclamar de uma mulher que me tomou a vez na fila do caixa do supermercado? Para enganar a mim mesmo, louvei meu próprio cavalheirismo.
Baixei a bola, recolhi-me à minha insignificância e sem-lugaridade e fiquei aguardando minha vez, esperando que mais ninguém me furasse a fila...

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Eleições

As eleições gerais de 1840, no tempo do Império, tiveram tantos episódios de violência contra eleitores e candidatos, que ficaram conhecidas como ELEIÇÕES DO CACETE — nome que por si já diz tudo.
A julgar pelos fatos lamentáveis dos últimos tempos, parece que até nisso regredimos.

sábado, 3 de dezembro de 2022

Reciclagem


Elói Elias era morador novo do prédio e ficou contente ao saber que a administração do condomínio tinha instalado recipientes para coleta de material reciclável: tinham cores diferentes e recebiam separadamente plástico, metal, vidro e papel.
"Que bom! Precisamos cuidar do meio ambiente" — pensou Elói Elias.
Dali em diante, Elói Elias separava e juntava o que fosse reciclável e, uma vez por semana, levava tudo até os recipientes, pondo cuidadosamente plásticos, metais, vidros e papéis nas respectivas caixas.
Voltava a seu apartamento com a consciência mais leve, satisfeito por ter feito uma boa ação para a humanidade e o planeta. Lembrava-se com saudade das palavras do chefe do grupo escoteiro de sua infância: "O escoteiro deve fazer pelo menos uma boa ação por dia".
Passaram-se várias semanas. Lá estava Elói Elias, mais uma vez, com seu saco cheio de recicláveis para a coleta seletiva.
Margarida Maria, zeladora do prédio, prestativa e bonachona, viu Elói Elias pondo o material nas caixas e disse:
"Seu Elói, não precisa pôr separadinho, não. Pode pôr tudo numa caixa só. Depois nós juntamos tudo num saco só e jogamos fora."
"Vocês juntam tudo e jogam fora?" — perguntou o surpreso Elói Elias.
"Sim" — respondeu Margarida Maria. — "Colocamos lá fora no dia da coleta. O pessoal da reciclagem abre os sacos e pega alguma coisa que vale a pena para eles, geralmente alumínio. Depois, o que sobra o caminhão do lixo junta e leva para o lixão."
Elói Elias ouviu aquilo, boquiaberto e incapaz de acreditar. Estava estupefato. Para que todo aquele trabalho, se o destino era mesmo o lixão? Por que as caixas separadoras, então?
"Foi aprovado em reunião de condomínio, seu Elói. Alguns moradores fizeram questão. Mas o síndico disse que é só 'pro forma'" — respondeu Margarida Maria, como se lesse os pensamentos dele.
Elói Elias voltou para seu apê abatido, desencantado da vida. O sonho alegria lhe dá, nele reciclagem há...
Quê? Nada disso! Sono? Sonho? Qual! Naquela noite Elói Elias nem dormiu. De raiva! Sentia-se enganado, logrado. Um fracassado. Um otário. "Palhaçada!"
Amanheceu o dia, e ele não tinha pregado um olho. O desânimo ainda iria possuí-lo por mais de uma semana. Mas ele acordou — ou melhor, amanheceu, pois não tinha dormido — naquele dia como um novo homem. Reciclado.
Lembrou-se de uma fábula que sua mãe lhe contara, ou que ele tinha lido num livro de escola. Uma pequena ave voava até um riacho, enchia o biquinho de água e levava aquelas gotas para apagar um incêndio na floresta. Avisada por outros animais, que afastados viam a mata arder, da quase nenhuma efetividade de seu ato, a avezinha respondia: "Estou fazendo a minha parte".
Hoje, quando alguém puxa conversa sobre meio ambiente, reciclagem, efeito estufa, aquecimento global, mudanças climáticas etc., Elói Elias desconversa, diz que não sabe nada sobre esses assuntos, mas acha tudo isso muito legal, e corta o papo.
A coisa é mais forte do que ele, porém. Elói Elias continua a separar seu lixo e a depositar os recicláveis nos recipientes do pátio do condomínio... mas somente quando não há ninguém olhando.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Plano 5 estrelas

(Foto: Internet.)

Parece que muita gente, ao se recolher à noite para dormir, mesmo não crendo em nada, reza para todas as divindades possíveis e imagináveis, pedindo “pelo amor de Deus!” que não haja vida após a morte, sobrevivência do espírito, existências sucessivas, reencarnação, carma e coisas que tais.
Imaginem a cara da pessoa quando, no Além, ao se preparar para voltar a este mundo, topar com um plano de reencarnação com pacote 5 estrelas: HOMEM, BRANCO, CIS, HETEROSSEXUAL e FAMÍLIA CRISTÃ… Cartela completa! Bingo! Será mesmo de lascar o cano!
Para essas pessoas é melhor que não haja mesmo nada disso – ou, pelo menos, que se vá direto para o Céu ou o Inferno. E sem retorno. Será?
Quem morrer verá.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Eu, glutão...

(Foto: https://jornalzonasul.com.br/regiao-mantem-redutos-de-boa-comida-italiana-para-saborear-massas-e-carnes/)

Nos últimos meses, todos os dias eu passei de ônibus em frente a um estabelecimento em cuja placa pequena, de vidro, com fundo transparente e letras escuras, eu lia a palavra italiana TRATTORIA.
Comecei a planejar uma visita ao lugar para conhecer o cardápio desse novo restaurante italiano.
Hoje, pela primeira vez, o ônibus parou, por um minuto, em frente ao estabelecimento, e pude ler a placa novamente, por mais tempo.
Mas nada de TRATTORIA: na placa está escrito TATTOARIA! Trata-se de um ateliê de tatuagem e "piercings".
Em todo este tempo fui enganado por meus olhos e meus óculos... mas a culpa de tudo é de minha gula!

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Rapidinhas 9, 10, 11, 12

#9
— Não gosto de tatuagem.
— É só você não fazer.
— Pois é! Por isso não tenho nenhuma: não gosto, então nunca fiz.

#10
— Aonde vai com todos esses cocos?
— Vou para casa.
— ?
— Eu os descasco, furo, extraio a água e ponho numa jarra na geladeira para minha esposa beber.
— Puxa! Que legal! E qual a sua dica em relação aos cocos?
— Minha dica? Nunca se case, assim você jamais precisará descascar cocos para ninguém.

#11
Quando vejo a sigla CAC, vem-me à mente apenas a Cooperativa Agrícola de Cotia.
Somente isso.  Não mais do que isso.
É bom ter ainda esta lembrança.

#12
Ouvi por aí:
— E como vai Fulana?
— Ah, Fulana vai bem! Com ela está tudo ótimo; só reclama de não ter tempo de fazer as unhas. Ela até chora por causa das unhas.

Apotegma #13

Faze teu trabalho, cumpre tua tarefa por gosto ou porque é tua obrigação — isto é contigo. Mas não o faças esperando agradecimentos ou elogios, principalmente de teus superiores, cuja memória é falha e se lembra com mais facilidade dos aduladores.

Eufemismo

A mulher pediu ao motorista do ônibus:
— Por favor, quando chegarmos ao ponto, você pode parar o ônibus mais perto da calçada? É que ontem, quando eu desci, eu pisei na lama.
— Sim, senhora! É claro que sim.
— Obrigada!
Ouvi a conversa toda e fiquei surpreso.
Então a água servida, o ESGOTO que corre constantemente nas ruas de Santarém, expelido o tempo todo pela maior parte das casas, comércios e empresas da cidade, agora se chama LAMA?
Somos mesmo um país de eufemismos...

Minha vida é revisar por este país...

Paladas de Alexandria (século IV) escreveu sobre os infortúnios dos gramáticos e mestres-escolas. Estava certo e seus versos continuam atuais, apesar da distância espaço-temporal entre ele e nós.
Respeito os professores, e creio que hoje tão desafortunados quanto eles são os revisores de texto: o prazer de ler um romance, conto, artigo científico ou de jornal nos é negado, pois é difícil desfrutar da leitura.
Eu mesmo perco a concentração quando topo com vírgulas faltando ou sobrando, erros de acentuação gráfica, frases mal encadeadas, termos usados equivocadamente... Tendo a parar a leitura o tempo todo para corrigir, emendar o texto. Que maçada! Perco o fio da meada e me desvio da compreensão do que estou lendo.
Quando crescerem, não sejam revisores de texto. Se escolherem essa profissão, será por sua conta e risco. Só não me venham depois dizer que eu não avisei. ;)

Livrarias e acepipes

(Interior da Livraria Lello, Porto, Portugal. Fonte: Wikipédia.)

Meu sonho de consumo era ser como essas pessoas que viajam pelo mundo conhecendo livrarias. Ah, as livrarias de Buenos Aires! Ah, a Livraria Lello no Porto!
Certo jornalista brasileiro gaba-se de ter sua livraria favorita em Nova Iorque. Já certo escritor lusófono, ao ouvir o nome de um país ou cidade, lembra-se logo das livrarias que conhece lá...
Já eu conheço livrarias (na verdade, quase todas elas são "sebos") apenas na cidade de São Paulo, além das ex-livrarias — ou seja, as que deixaram de existir — na cidade onde moro.
Mas, para compensar, tenho minha própria idiossincrasia: quando passo por um lugar que conheço ou me fazem alusão a ele, ou me lembro de uma data, logo me vêm à mente as comidas ou bebidas que saboreei ali ou naquele momento: sanduíche de pernil na Lanchonete Estadão; um pão doce gostoso numa padaria no Largo 13 de Maio, Santo Amaro; suco de uva passa num restaurante libanês; as batidas de um bar já extinto num bairro onde morei; os brigadeiros de uma cafeteria na Ana Rosa; a comida de um restaurante vegetariano no Itaim-Bibi; o primeiro tacacá que tomei (em 2009, na banca de Dona Fausta, em Santarém); o doce de jiló de Caldas Novas; o patê de sardinha, feito por minha sogra, que comi vendo o jogo Brasil vs. Chile da Copa do Mundo de 1998...
Minha esposa diz que tenho memória gastronômica.
Pois é... Cada um com seu super-poder!

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Neymar e o Catar

No UOL, um articulista sugere que críticas a Neymar são fruto de racismo e classismo: seus críticos parecem não aceitar que um negro de origem humilde se torne rico e famoso, uma celebridade conhecida em todo o mundo, um cara invejado por muitos homens e desejado por todas as mulheres.
Já na Folha de São Paulo, outro articulista diz que as críticas ao Catar pela organização da Copa do Mundo de 2022 são “islamofobia deslavada” de ocidentais que querem impor a países muçulmanos sua visão de mundo sobre direitos trabalhistas, direitos das mulheres e dos LGBTs etc.
Pois é, meus amigos... Se vocês não são negros oriundos de comunidade pobre, vocês não podem criticar Neymar, pois estão apenas demonstrando seu racismo e classismo. Da mesma forma, quem não é catariano nem muçulmano não pode nem pensar em apontar algo negativo naquele maravilhoso e rico pequeno paraíso islâmico do Golfo Pérsico.
Se a língua ou os dedinhos coçarem para dizer algo negativo sobre o craque e o país citados, aguentem o prurido!
Eu, como vocês sabem, não sou catariano nem islamita; também não sou negro nem pessoa de origem pobre. Sou europeu e branco, bem branco — aliás, branquíssimo —, legítimo louro alto tipo nórdico (alô, primo Caco!); sou cristão de quatro costados e católico praticante, por mercê de Deus; nunca trabalhei e tenho enorme fortuna resultante de várias gerações de acumulação de capital parasitário... e amo Neymar e o Catar desde criancinha! ;)


Islamofobia deslavada

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Super-humanismo

(Imagem: www.einerd.com.br)

E se existissem super-humanos como aqueles das histórias em quadrinhos e filmes da Marvel, da DC e similares? Será que o mundo seria melhor do que é hoje?
Não tenho certeza disso. No mínimo, o mundo seria como o de hoje; mas possivelmente seria pior.
Certamente alguns super-humanos, por conta própria ou a serviço de tiranos, usariam seus poderes para dominar povos e países inteiros. Já outros, os super-humanos do bem, se revoltariam e enfrentariam os super-humanos do mal. A Terra seria palco de batalhas como as de "Guerras Secretas", "Guerra Infinita", Crise" e outras que os fãs de HQs conhecem bem.
Um terceiro grupo, alheio a disputas políticas, usaria seus poderes para ajudar outras pessoas, levando chuvas a áreas secas, despoluindo rios, curando doentes, salvando náufragos, combatendo incêndios florestais, impedindo a queda de pontes...
Um quarto grupo, menos altruísta, buscaria conseguir aquilo que, sem seus poderes, não teria: dinheiro, bens, prazeres.
Eu gostaria de ter o poder de explodir coisas com o pensamento: destruiria, por exemplo, todos os carros que eu encontrasse parados em cima das calçadas. E começaria com um SUV que eu vi hoje, seminovo e com um adesivo religioso colado no vidro de trás.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Apotegma #12

Se queres ser ambicioso, sê-o, pois é teu direito; mas esteja tua ambição à altura de tua capacidade.

Rapidinhas 5, 6, 7, 8

#5
Se me virem dentro de uma academia de ginástica... 🏋️
Chamem a polícia! É sequestro!

#6
A pessoa é filh@ da p✓t@, safad@, fingid@, capaz de "puxar o tapete" dos colegas e beneficiar apenas quem é de seu grupo... Irra!
Mas — ora, vejam só! — é progressista, defende os direitos dos povos indígenas e não aceita que os chamem de "índios".
Contradições do gênero humano.

#7
Vocês juram mesmo que há gente que lê os livros e vê os filmes do "Senhor dos Anéis" e agregados como uma história antiga da Europa? 🤔
Então que fim levaram todos aqueles elfos, ogros, duendes, gnomos, tróis, dragões e outros bichos escrotos que pululam nas obras de Tolkien?
Bom, talvez tenham sido destruídos pelo mesmo meteorito que extinguiu os dinossauros... ou se tornaram os ancestrais dos europeus. 🇪🇺

#8
O cara apareceu para lacrar em tom professoral com aquele clichê já gasto:
— Nome próprio não se traduz.
Lacrou!
Mas é claro! Como não percebi antes meu erro? Que idiota sou eu!
Então me lembrei de que, nos documentários do canal History sobre a Revolução Russa, o nome do último czar é sempre citado como NICHOLAS II.
E de que outra forma isso se daria? Por que usar a forma portuguesa NICOLAU, se podemos usar o original, não é mesmo?
Entendedores entenderão.

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Coroas na moita

Enquanto parte da humanidade se solidariza com os britânicos devido ao falecimento da rainha Isabel/Elizabeth II, e o restante do mundo festeja a morte de um símbolo do imperialismo, colonialismo e monarquia, as casas reais das demais monarquias europeias...
Mas... espere aí, Julião! Que negócio é esse de "demais monarquias europeias"?
Bom, o fato é que a maioria das pessoas não sabe que Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Liechtenstein, Luxemburgo, Mônaco, Noruega e Suécia também são monarquias constitucionais, democráticas e parlamentes. (Não cito aqui as petromonarquias do Golfo Pérsico nem as do Sudeste Asiático, por motivos óbvios... O Japão é exceção: única monarquia democrática fora da Europa.)
Essas monarquias respiram aliviadas pelo monopólio que a monarquia britânica tem na mídia, chamando para si toda a atenção e deixando-as na maior tranquilidade, na moita, na miúda, na encolha, sem que seus escândalos e fofocas frequentem por muito tempo as páginas de jornais e da Internet.
Essa tranquilidade só é quebrada quando algum jornalista se lembra de que a rainha consorte Sílvia da Suécia nasceu no Brasil, ou de que a rainha consorte Máxima da Holanda é argentina — o que gera uma reportagem, principalmente na imprensa brasileira, para encher linguiça quando não há nada para reportar sobre a nobreza coroada favorita do Mundo Livre.
Por isso, esses príncipes e reis europeus certamente acompanham com atenção o que seu primo Carlos/Charles III do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte fará doravante. Um deslize de Carlinhos pode fazer balançar a coroa em sua cabeça inexperiente em reinar, mas já idosa, e qualquer estremecimento da monarquia britânica poderá gerar um efeito dominó nas demais monarquias européias — o que fará as delícias dos republicanistas de plantão.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Vislumbres do Futuro #1

Ano 2107. Em cerimônia concorridíssima e cheia de celebridades de todo o mundo, realizada como sempre em sua sede em Pequim, a Academia Chinesa de Cinema concede o Dragão de Ouro de Melhor Filme a "O Lótus Rubramarelo", produção sino-brasileira sobre a vida do escritor brasileiro de origem chinesa Wang Li da Silva, vencedor do Nobel de Literatura de 2091.

Salsa ou coentro?

Conheço pessoas que não gostam de coentro (Coriandrum sativum); alegam que o aroma e o sabor são fortes, não conseguem comê-lo. Essas pessoas usam salsa (Petroselinum crispum), e em sua cozinha não entra coentro, seja em folhas, seja em grão.
Por outro lado, conheço pessoas que não gostam de salsa; a alegação é a mesma: aroma e sabor fortes. São pessoas que usam coentro, e em cuja cozinha não entra salsa.
Ninguém aí está certo ou errado. Trata-se de opinião, gosto pessoal ou motivado por tradição. Da mesma forma, há quem goste de ambos os temperos — como eu —, e há quem não use nenhum dos dois, preferindo outras ervas.
Cada um usa o tempero de que gosta. “É tudo da lei” — como cantava Raul.
O que não se pode é a pessoa achar que somente os temperos de sua casa e a cozinha de sua região são legítimos e autênticos, menosprezando os dos outros lugares.
Se você pensa assim, é bom começar a procurar tratamento. Sugiro consultar um psicólogo. Mas talvez um antropólogo já ajude…

Santarém, Pará, 4 de setembro de 2022.

sábado, 3 de setembro de 2022

Rapidinhas 1, 2, 3 e 4

#1
— Não dou opinião sobre esportes que não aprecio.
— E quais esportes você aprecia?
— Nenhum.

#2
Uma dúvida que me aflige há algum tempo:
Se, em português, GELATO e SORVETE são coisas diferentes, e GELATO em italiano significa SORVETE, como se diz ou se traduz GELATO em italiano?

#3
O estelionato intelectual é um crime que compensa, além de raramente ter punição.
A julgar pelo que se lê e ouve nas redes sociais e fora delas, os incautos devem necessariamente acreditar que o cristianismo (religião predominante nos povos dominantes) é a única religião que se difundiu graças à ação do Estado, por imposição legal, força das armas e colonialismo, enquanto as demais religiões mundiais e proselitistas só se espalharam devido à lábia, ao gogó, ao esforço desinteressado de seus missionários e divulgadores...

#4
Primeiro sábado de setembro: Dia Mundial da Barba. 
Comemorei raspando a minha.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Com quem ou para quem

(Fonte: Internet.)

A falta de preposição antes do pronome relativo leva a perguntar: trata-se de "COM que/quem posso contar" ou "A/PARA que (a/para quem) posso contar"? 🤔 Trata-se do mesmo verbo, mas com acepções diferentes conforme o contexto e a preposição que o acompanha (ou deveria acompanhar).
Na língua coloquial, o contexto conversacional preenche as lacunas e completa as informações, mas na língua escrita os elementos gramaticais necessários precisam estar presentes.
É claro que sempre pode haver situações, na língua escrita, em que o desvio da norma é proposital para atingir certo efeito de sentido, mas não é o caso deste meme.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Coriandro

(Imagem: Wikipédia.)

Com base em certas coisas que li recentemente, já estou em contagem regressiva para que pessoas que não gostam de coentro ("Coriandrum sativum") comecem a ser acusadas de certos preconceitos pesados.
Teríamos já em formação um identitarismo coriândrico ou coentrão? 🤔
O problema não está no que se publica, mas em como se interpreta... principalmente nos tempos de mentalidade anacrônica em que vivemos.
Seja como for, dessas acusações estou livre. Já metade de minha família...
Se você não gosta de coentro, seja qual for o motivo, sugiro que comece a rever seus conceitos. Pode ser uma opção para evitar o cancelamento...

Oração para Marilyn Monroe [Ernesto Cardenal]

Uma das últimas fotos de Marilyn Monroe, parte de um ensaio feito por George Barris em 1962, cerca de três semanas antes da morte da atriz.
Fonte: https://www.hypeness.com.br/2020/03/ultimas-fotografias-tiradas-de-marilyn-monroe-em-ensaio-que-e-pura-nostalgia/

 

Hoje, 4 de agosto de 2022, completam-se 60 anos da morte de MARILYN MONROE, falecida tragicamente aos 36 anos. O célebre poeta nicaraguense Ernesto Cardenal homenageou-a com este poema, que reproduzo abaixo na bela tradução de Paulo de Carvalho Neto e no original castelhano.

 

ORAÇÃO PARA MARILYN MONROE
Ernesto Cardenal (1925-2020)

Senhor:
recebe a esta garota conhecida em toda a Terra
pelo nome de Marilyn Monroe,
embora este não fosse o seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces o seu verdadeiro nome, o da órfã
violada aos nove anos
e da empregadinha de loja que aos dezesseis tinha querido
se matar)
e que agora vem à tua presença sem nenhuma
maquilagem
sem a sua Agente de Imprensa
sem fotógrafos e sem assinar autógrafos
tão sozinha como um astronauta diante da noite espacial.

Ela sonhou quando menina que estava nua numa igreja
(segundo a versão da Time)
diante duma multidão prostrada, com a cabeça ao chão,
e tinha de caminhar devagarinho para não pisar nas cabeças.
Tu conheces os nossos sonhos melhor do que um psiquiatra.
Igreja, casa, cova são a segurança do seio materno
e muito mais do que isso ainda…
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão por debaixo dos focos de luz)
Mas o templo não são os estúdios da 20th
Century-Fox.
O templo – de mármore e ouro – é o templo de seu corpo,
em que está o Filho do Homem com um chicote
na mão
expulsando os mercadores da 20th Century-Fox
que fizeram da Tua casa de oração um covil de ladrões.
Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade,
Tu não culparás somente a uma empregadinha de loja
que como toda empregadinha de loja sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho foi realidade (mas como a realidade do tecnicolor).
Ela não fez senão representar segundo o script que lhe demos
– o de nossas próprias vidas – e era um script absurdo.
Perdoa-a, Senhor, e perdoa-nos
pela nossa 20th Century,
por esta Colossal Superprodução em que todos
trabalhamos.
Ela tinha fome de amor e lhe oferecemos
tranquilizantes,
para a tristeza de não ser santos
foi-lhe recomendada a Psicanálise.
Lembra-te, Senhor, de seu crescente pavor à câmara
e seu ódio à maquilagem – insistindo
em maquilar-se em cada cena –,
e como foi se fazendo maior o horror
e maior o incumprimento dos horários.
Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um
psiquiatra interpreta e arquiva.

Os seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando no abrir dos olhos
descobre-se que foi dado sob os refletores
e apagaram os refletores!
e desmontaram as duas paredes da alcova (era
um cenário cinematográfico)
enquanto que o diretor vai embora com seu caderno
porque a cena já foi filmada.
O mesmo é com uma viagem em iate, um beijo em
Cingapura, um baile no Rio,
ou uma recepção no palacete do Duque e da Duquesa
de Windsor
vistos na TV de um apartamento pobre.

O filme terminou sem o beijo final.
Foi achada morta em sua cama com a mão
no telefone.
E os detetives ficaram sem saber a quem ela ia chamar.
Foi
como alguém que marcou o número da
única voz amiga
e ouve somente a voz de uma fita que lhe diz:
wrong number.
Ou como alguém que ferido pelos gângsteres
estende a mão sobre um telefone desligado.

Senhor:
quem quer que tenha sido aquele que ela ia chamar
e não chamou (e talvez não fosse ninguém
ou fosse Alguém cujo número não está no
Catálogo de Los Angeles)
atende Tu ao telefone!

CARDENAL, Ernesto. Oração para Marilyn Monroe. In: As riquezas injustas: antologia poética. Seleção e tradução de Paulo de Carvalho Neto. 2. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1982. p. 52-54.

 

Ernesto Cardenal (autor desconhecido).
Fonte: https://famousbio.net/ernesto-cardenal-10038.html

Original em espanhol:

Oración por Marilyn Monroe

Señor:
recibe a esta muchacha conocida en toda la Tierra
con el nombre de Marilyn Monroe,
aunque éste no era su verdadero nombre
(pero Tú conoces su verdadero nombre, el de la huerfanita
violada a los nueve años
y la empleada de tienda que a los dieciséis se había
querido matar)
y que ahora se presenta ante Ti sin ningún
maquillaje,
sin su agente do prensa,
sin fotógrafos y sin firmar autógrafos,
sola como un astronauta frente a la noche espacial.

Ella soñó cuando niña que estaba desnuda
en una iglesia
(según cuenta el Time)
ante una multitud postrada, con las cabezas
en el suelo,
y tenía que caminar en puntillas para no pisar
las cabezas.
Tú conoces nuestros sueños mejor que los psiquíatras.
Iglesia, casa, cueva, son la seguridad del seno materno,
pero también algo más que eso…
Las cabezas son los admiradores, es claro
(la masa de cabezas en la oscuridad bajo
el chorro de luz).
Pero el templo no son los estudios de la 20th
Century-Fox.
El templo – de mármol y oro – es el templo de su cuerpo,
en el que está el Hijo del Hombre con su látigo
en la mano
expulsando a los mercaderes de la 20th Century-Fox
que hicieron de tu casa de oración
una cueva de ladrones.
Señor:
en este mundo contaminado de pecados y radiactividad,
Tú no culparás tan sólo a una empleadita de tienda
que como toda empleadita de tienda
soñó con ser estrella de cine.
Y su sueño fue realidad (pero como la realidad
del technicolor).
Ella no hizo sino actuar según el script que le dimos
– el de nuestras propias vidas – y era un script absurdo.
Perdónala, Señor, y perdónanos a nosotros
por nuestra 20th Century,
por esa Colosal Super-Producción en la que todos
hemos trabajado.
Ella tenía hambre de amor y le ofrecíamos
tranquilizantes
para la tristeza de no ser santos
(se la recomendó el Psicoanálisis).
Recuerda, Señor, su creciente pavor a la cámara
y el odio al maquillaje – insistiendo
en maquillarse en cada escena –,
y cómo se fue haciendo mayor el horror
y mayor la impuntualidad a los estudios.
Como toda empleadita de tienda
soñó ser estrella de cine.
Y su vida fue irreal como un sueño que un
psiquíatra interpreta y archiva.

Sus romances fueron un beso con los ojos cerrados
que cuando se abren los ojos
se descubre que fue bajo reflectores
¡y apagaron los reflectores!
y desmontaron las dos paredes del aposento (era
un set cinematográfico),
mientras el director se aleja con su libreta
porque la escena ya fue tomada.
O como un viaje en yate, un beso en Singapur,
un baile en Río,
la recepción en la mansión del duque y la duquesa
de Windsor
vistos en la salita del apartamento miserable.
 

La película terminó sin beso final.
La hallaron muerta en su cama con la mano
en el teléfono.
Y los detectives no supieron a quién iba a llamar.
Fue
como o alguien que ha marcado el número de la
única voz amiga
y oye tan sólo la voz de un disco que le dice:
wrong number.
O como alguien que herido por los gangsters
alarga la mano a un teléfono desconectado.

Señor:
quienquiera que haya sido el que ella iba a llamar
y no llamó (y tal vez no era nadie
o era Alguien cuyo número no está en el
Directorio de Los Angeles),
¡contesta Tú el teléfono!

CARDENAL, Ernesto. Oración por Marilyn Monroe. In: BERGUA, José (Ed.). Las mil mejores poesías de la lengua castellana: ocho siglos de poesía española y hispanoamericana. 31. ed. Madrid, ES: Ediciones Ibéricas, 1995. p. 741-743. (Colección “Tesoro Literario”; n. 26).

Santarém, PA, 4 de agosto de 2020.

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domingo, 24 de julho de 2022

Apotegma #11

Há gente que parece ter gosto e inclinação natural para contrapor-se a costumes e normas, afrontando todo e qualquer fumo de autoridade ou convenção.
Se a humanidade vivesse nua, essas pessoas insistiriam em usar roupas talares; se fosse usual dizer palavrões o tempo todo, elas se rebelariam para falar de modo casto.

Apotegma #10

Saberás que estás velho quando, na taberna ou na casa de pasto, pedires uma soda limonada e a jovem atendente disser que a bodega ainda não dispõe dessa novidade.

sábado, 19 de março de 2022

A Peste [Albert Camus]

"Do morro escuro subiram os primeiros foguetes dos festejos oficiais. A cidade saudou-os com uma longa e surda exclamação. Cottard, Tarrou, aqueles e aquela que Rieux tinha amado e perdido, todos, mortos ou culpados, estavam esquecidos. O velho tinha razão, os homens eram sempre os mesmos. Mas essa era a sua força e a sua inocência, e era aqui que Rieux, acima de toda a dor, sentia que se juntava a eles. Em meio aos gritos que redobravam de força e de duração, que repercutiam longamente junto do terraço, à medida que as chuvas multicores se elevavam mais numerosas no céu, o Dr. Rieux decidiu, então, redigir esta narrativa, que termina aqui, para não ser daqueles que se calam, para depor a favor dessas vítimas da peste, para deixar ao menos uma lembrança da injustiça e da violência que lhes tinham sido feitas e para dizer simplesmente o que se aprende no meio dos flagelos: que há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar.
"Mas ele sabia, porém, que esta crônica não podia ser a da vitória definitiva. Podia, apenas, ser o testemunho do que tinha sido necessário realizar e que, sem dúvida, deveriam realizar ainda, contra o terror e a sua arma infatigável, a despeito das feridas pessoais, todos os homens que, não podendo ser santos e recusando-se a admitir os flagelos, se esforçam no entanto por ser médicos.
"Na verdade, ao ouvir os gritos de alegria que vinham da cidade, Rieux lembrava-se de que essa alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz."

Trecho final de A PESTE (La Peste) de Albert Camus. Tradução de Valerie Rumjanek. 23. ed. Rio de Janeiro: Record, 2017.

Terminei de lê-lo na madrugada de 18 para 19 de março de 2022, mais de dois anos após o início da pandemia do novo coronavírus; completando dois anos de (semi)quarentena e trabalho domiciliar, saindo de casa apenas quando extremamente necessário e tendo incorporado a máscara como acessório indispensável. E em preparação para o retorno ao trabalho presencial.
Que leitura funesta para tempos de pandemia de covid-19! — dirão alguns. E coincidindo com o fim da pandemia... — dirão outros.
Fim da pandemia? Chegamos mesmo ao fim da peste? A julgar pelas estatísticas diárias...
E, afinal, de que peste estamos mesmo falando?

Santarém, Pará, 19 de março de 2022.