Entrei na fila. Logo chegou uma mulher com dois potes de sorvete e se posicionou atrás de mim.
O caixa se desocupou e chamou o primeiro cliente, o velhinho de cabeça branca com os pães. Ao mesmo tempo, abriram um segundo caixa rápido, que chamou a segunda da fila, uma mulher com dois peixes enormes no carrinho.
Mas, assim que ela entrou no caixa 2, pôs-se atrás dela um cara com um refrigerante de dois litros. Outras pessoas já se colocaram atrás dele. A mulher dos dois potes de sorvete gritou:
— Ei, estão formando fila no caixa 2 e passando na nossa frente!
A mulher que estava antes de mim, que era a próxima a ser chamada, também gritou:
— Ei, aqui é fila única, e vocês estão passando na nossa frente!
Ela empurrou o carrinho para o caixa 2:
— Você tem só um refrigerante e eu deixarei passar. Mas eu estou aqui esperando faz tempo. Sou a próxima.
A mulher dos potes de sorvete colocou-se logo atrás dela na fila.
Pensei: "Ficarei aqui mesmo na fila do caixa 1..."
Quando olhei, havia uma mulher na minha frente com uma cesta de compras e cara de paisagem. O velhinho dos cinco pãezinhos (sim, o saco era transparente e pude contá-los) ainda estava pagando sua compra — um processo que parecia interminável, não sei por quê —, e a recém-chegada, saída de não sei onde, era a próxima da fila!
Enquanto eu pensava na minha sina de recenseador de furadores de fila, percebi que estava assistindo a um fato social e histórico, do qual eu também participava: um grupo de clientes tentou, por iniciativa própria e de forma ANÁRQUICA, sem que o próprio supermercado se importasse com isso ou os ajudasse, criar um sistema de fila única para os caixas rápidos. Mas o experimento foi logo abortado pela LIVRE INICIATIVA de alguns clientes, que viram uma OPORTUNIDADE e foram para os caixas sem atentar para (ou sem se importar com) a fila única já existente ali.
Para mim, ali se via uma demonstração de que, sem a presença do ESTADO ou outra AUTORIDADE a regular minimamente as relações sociais com vistas ao bem comum, qualquer cidadão com um mínimo de poder ou oportunidade logo oprime os que lhe são imediatamente mais fracos, o que corrobora a máxima hobbesiana de que "o homem é o lobo do homem" — até numa fila de caixa de supermercado!
No caixa 2, a mulher dos potes de sorvete já tinha pago sua compra e ido embora; outros eram atendidos. No caixa 1, o cabeça-branca finalmente terminou de pagar seus pãezinhos, e foi chamada ao caixa a mulher que me furou a fila, a da cara de paisagem.
Eu não disse nada. Fingi que nem percebi o ocorrido. Apenas sorri e acenei, rapazes, sorri e acenei.
Afinal, na minha condição de macho branco europoide cis hétero ocidentalizado e cristão, que LUGAR DE FALA tenho eu para reclamar de uma mulher que me tomou a vez na fila do caixa do supermercado? Para enganar a mim mesmo, louvei meu próprio cavalheirismo.
Baixei a bola, recolhi-me à minha insignificância e sem-lugaridade e fiquei aguardando minha vez, esperando que mais ninguém me furasse a fila...
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