LEHMANN, Johannes. Os Hititas: Povo dos Mil Deuses. Tradução de Carlos Antonio Lauand. São Paulo: Hemus, 1980. 294 pp. (Enigmas e Mistérios do Universo). Título original alemão: Die Hethiter.
Li Os Hititas há uns 15 anos (creio que em 1999 ou 2000). Já havia lido, algum tempo antes, o clássico de C. W. Ceram, O Segredo dos Hititas, mas este livro de Johannes Lehmann me deixou uma impressão mais duradoura após a leitura.
Lembro-me de alguns erros tipográficos do texto, além
de topar, mais ou menos no meio do livro, com uns períodos gramaticais
um pouco confusos, que eu precisei ler e reler para entender melhor; as
orações pareciam não se encaixar direito umas nas outras, talvez
deslizes da revisão. Mas nada que atrapalhasse a leitura e compreensão
da obra em geral.
O
livro de Lehmann consta de três partes. Na primeira o autor descreve o
processo de pesquisa que levou ao "descobrimento" da civilização hitita,
que só se conhecia, até meados do século XIX, devido a alguns
versículos da Bíblia. A tradução do relato da "vitória" de Ramsés II
sobre os hititas na célebre Batalha de Kadesh; a descoberta de
correspondência diplomática trocada pelos egípcios com os hititas; e
depois a escavação das ruínas de Hattusa, capital dos hititas, na
Anatólia, onde se encontrou uma biblioteca com milhares de tabuletas de
argila com escrita cuneiforme em várias línguas – tudo isto contribuiu,
no fim do século XIX e começo do XX, para levantar o véu do tempo que
cobria esse povo misterioso.
Decifrando-se
sua língua - o que constituiu um esforço semelhante ao de Champollion
na decifração da Pedra de Roseta -, descobriu-se que os hititas eram
indo-europeus, aparentados linguisticamente, portanto, aos persas,
gregos, romanos, armênios e povos indianos falantes do sânscrito e
outras línguas de mesma origem. Numa época em que a linguística era
predominantemente histórico-comparativa e parecia constituir área de domínio
quase exclusivo de sábios alemães (como se fosse uma "ciência germânica"),
até o Kaiser da Alemanha de então acompanhava as discussões e
publicações acadêmicas sobre se os hititas eram ou não indo-europeus e a
semelhança de sua língua com o alemão.
A
segunda parte do livro descreve os processos empregados pelos
arqueólogos na escavação e datação dos sítios de localidades da
Anatólia, Síria e Mesopotâmia onde os hititas se estabeleceram. Estudos
feitos nesses sítios mostraram elementos culturais que podem ter
influenciado os hititas ou até sido absorvidos por eles. Num dos sítios
encontraram-se restos de casas com entrada pelo teto e indícios de
sepultamentos feitos dentro das residências; noutro, mostras de um culto
ao touro, que pode ter deixado resquícios em culturas posteriores no
Oriente Médio e Europa e também na dos hititas. Relação com o mito grego
do Minotauro e as acrobacias taurinas pintadas nos afrescos do palácio
de Cnossos na Creta minoica? Forma ancestral dos folguedos de Bumba Meu
Boi do Brasil atual? É possível que sim.
Lehmann
ainda descreve o processo de datação por carbono 14, exemplificando-o
por meio dos achados relacionados aos hititas, o que acrescenta uma
faceta didática ao livro, a respeito dos procedimentos arqueológicos.
A
terceira e última parte descreve o que se sabia até então da cultura
dos hititas. Sua língua era indo-europeia, formando um sub-ramo do ramo
anatólico, portanto independente dos demais ramos (armênio,
indo-irânico, germânico, ítalo-céltico, balto-eslavo etc.). Restaram
umas poucas peças literárias hititas, dos quais o autor faz citações; o
estudo do vocabulário mostra as semelhanças com o das demais línguas
indo-europeias (a semelhança de palavras hititas com palavras alemãs
chamou a atenção de muitos na época).
Os hititas possuíam uma espécie de conselho, semelhante ao boulé dos gregos ou senatus
romano, o qual parecia limitar um pouco o poder real. Suas divindades
eram representadas portando chapéus ou barretes com vários pares de
chifres de touro; segundo o autor, a hierarquia das divindades era
marcada pela quantidade de pares desses chifres. Os hititas, ao dominar
outros povos e pilhar as cidades destes, levavam para sua capital os
ídolos dos templos saqueados, os quais eram postos nos altares junto com
os deuses próprios hititas, o que lhes valeu o apelido de “Povo dos Mil
Deuses”.
Ao
que parece, os hititas foram um grupo que, ao conquistar os povos da
Anatólia, assimilou muito de suas culturas; sua civilização era um
amálgama de várias origens culturais. Vindos, há uns 4.000 anos, da Ásia
Central, ponto de origem das várias ondas migratórias indo-europeias,
os hititas estabeleceram-se na Anatólia, assimilaram elementos da
cultura local e, quando tiveram a oportunidade, tomaram o poder e
criaram um império que rivalizou com as potências da época, entre elas o
Egito.
Coisa
curiosa: o autor sugere que o chapéu ou barrete mostrado na arte hitita
teria dado origem ao chapéu semelhante usado pelos frígios (barrete
frígio), usado depois por gregos e romanos com simbologia variada e,
hoje, associado à liberdade. Assim, as figuras que vemos, por exemplo,
em nossas moedas a representar a personificação da liberdade são
certamente, em sua origem, uma herança ainda viva dos hititas.
Apesar de antigo e certamente desatualizado – muito deve ter sido descoberto sobre os hititas, nas últimas décadas – Os Hititas
de Johannes Lehmann é um livro ainda importante como instrumento de
divulgação sobre esse povo que teve seu apogeu há mais de 3.500 anos.
(Originalmente publicado, com o título Hititas e Arqueologia, em https://www.skoob.com.br/os-hititas-31933ed34808.html.)
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