quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Hititas, Povo dos Mil Deuses

LEHMANN, Johannes. Os Hititas: Povo dos Mil Deuses. Tradução de Carlos Antonio Lauand. São Paulo: Hemus, 1980. 294 pp. (Enigmas e Mistérios do Universo). Título original alemão: Die Hethiter.
Li Os Hititas há uns 15 anos (creio que em 1999 ou 2000). Já havia lido, algum tempo antes, o clássico de C. W. Ceram, O Segredo dos Hititas, mas este livro de Johannes Lehmann me deixou uma impressão mais duradoura após a leitura.

Lembro-me de alguns erros tipográficos do texto, além de topar, mais ou menos no meio do livro, com uns períodos gramaticais um pouco confusos, que eu precisei ler e reler para entender melhor; as orações pareciam não se encaixar direito umas nas outras, talvez deslizes da revisão. Mas nada que atrapalhasse a leitura e compreensão da obra em geral.

O livro de Lehmann consta de três partes. Na primeira o autor descreve o processo de pesquisa que levou ao "descobrimento" da civilização hitita, que só se conhecia, até meados do século XIX, devido a alguns versículos da Bíblia. A tradução do relato da "vitória" de Ramsés II sobre os hititas na célebre Batalha de Kadesh; a descoberta de correspondência diplomática trocada pelos egípcios com os hititas; e depois a escavação das ruínas de Hattusa, capital dos hititas, na Anatólia, onde se encontrou uma biblioteca com milhares de tabuletas de argila com escrita cuneiforme em várias línguas – tudo isto contribuiu, no fim do século XIX e começo do XX, para levantar o véu do tempo que cobria esse povo misterioso.

Decifrando-se sua língua - o que constituiu um esforço semelhante ao de Champollion na decifração da Pedra de Roseta -, descobriu-se que os hititas eram indo-europeus, aparentados linguisticamente, portanto, aos persas, gregos, romanos, armênios e povos indianos falantes do sânscrito e outras línguas de mesma origem. Numa época em que a linguística era predominantemente histórico-comparativa e parecia constituir área de domínio quase exclusivo de sábios alemães (como se fosse uma "ciência germânica"), até o Kaiser da Alemanha de então acompanhava as discussões e publicações acadêmicas sobre se os hititas eram ou não indo-europeus e a semelhança de sua língua com o alemão.

A segunda parte do livro descreve os processos empregados pelos arqueólogos na escavação e datação dos sítios de localidades da Anatólia, Síria e Mesopotâmia onde os hititas se estabeleceram. Estudos feitos nesses sítios mostraram elementos culturais que podem ter influenciado os hititas ou até sido absorvidos por eles. Num dos sítios encontraram-se restos de casas com entrada pelo teto e indícios de sepultamentos feitos dentro das residências; noutro, mostras de um culto ao touro, que pode ter deixado resquícios em culturas posteriores no Oriente Médio e Europa e também na dos hititas. Relação com o mito grego do Minotauro e as acrobacias taurinas pintadas nos afrescos do palácio de Cnossos na Creta minoica? Forma ancestral dos folguedos de Bumba Meu Boi do Brasil atual? É possível que sim.

Lehmann ainda descreve o processo de datação por carbono 14, exemplificando-o por meio dos achados relacionados aos hititas, o que acrescenta uma faceta didática ao livro, a respeito dos procedimentos arqueológicos.

A terceira e última parte descreve o que se sabia até então da cultura dos hititas. Sua língua era indo-europeia, formando um sub-ramo do ramo anatólico, portanto independente dos demais ramos (armênio, indo-irânico, germânico, ítalo-céltico, balto-eslavo etc.). Restaram umas poucas peças literárias hititas, dos quais o autor faz citações; o estudo do vocabulário mostra as semelhanças com o das demais línguas indo-europeias (a semelhança de palavras hititas com palavras alemãs chamou a atenção de muitos na época).

Os hititas possuíam uma espécie de conselho, semelhante ao boulé dos gregos ou senatus romano, o qual parecia limitar um pouco o poder real. Suas divindades eram representadas portando chapéus ou barretes com vários pares de chifres de touro; segundo o autor, a hierarquia das divindades era marcada pela quantidade de pares desses chifres. Os hititas, ao dominar outros povos e pilhar as cidades destes, levavam para sua capital os ídolos dos templos saqueados, os quais eram postos nos altares junto com os deuses próprios hititas, o que lhes valeu o apelido de “Povo dos Mil Deuses”.

Ao que parece, os hititas foram um grupo que, ao conquistar os povos da Anatólia, assimilou muito de suas culturas; sua civilização era um amálgama de várias origens culturais. Vindos, há uns 4.000 anos, da Ásia Central, ponto de origem das várias ondas migratórias indo-europeias, os hititas estabeleceram-se na Anatólia, assimilaram elementos da cultura local e, quando tiveram a oportunidade, tomaram o poder e criaram um império que rivalizou com as potências da época, entre elas o Egito.

Coisa curiosa: o autor sugere que o chapéu ou barrete mostrado na arte hitita teria dado origem ao chapéu semelhante usado pelos frígios (barrete frígio), usado depois por gregos e romanos com simbologia variada e, hoje, associado à liberdade. Assim, as figuras que vemos, por exemplo, em nossas moedas a representar a personificação da liberdade são certamente, em sua origem, uma herança ainda viva dos hititas.

Apesar de antigo e certamente desatualizado – muito deve ter sido descoberto sobre os hititas, nas últimas décadas – Os Hititas de Johannes Lehmann é um livro ainda importante como instrumento de divulgação sobre esse povo que teve seu apogeu há mais de 3.500 anos.

(Originalmente publicado, com o título Hititas e Arqueologia, em https://www.skoob.com.br/os-hititas-31933ed34808.html.)

Santarém, Pará, 1º/12/2015. Editado em 7/1/2016.

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