sexta-feira, 1 de março de 2013

André Gondim, um brasileiro que não desistia nunca!


“Doe, doe sangue, doe tempo livre, seja doador, seja eterno!”
André Gondim Pereira 
Lembro-me, dos tempos de escola primária, que todos os anos, no mês de agosto, organizava-se o Mês do Folclore, dedicado aos mitos e crendices brasileiros: mula sem cabeça, saci, curupira, o boto que se torna homem para seduzir mocinhas... Gostávamos muito disso: fazíamos trabalhos tematizados, colagens em cartolina, fantasias de personagens folclóricos etc.
Como se sabe, o termo folclore é de origem inglesa (folklore), designando o conjunto das manifestações populares e tradições do povo, e também o estudo dessas manifestações e tradições; mas se engana muito quem pensa que os mitos e crendices estão estacionados no tempo e permanecem sempre os mesmos. Dizia, e com razão, o folclorista paulista Alceu Maynard Araújo: “O folclore é uma vivência” (In: Medicina Rústica. São Paulo: Cia. Editora Nacional). Portanto, assim como os mitos se transformam com o passar do tempo, adaptando-se a novos contextos, também se criam novos mitos.
Cito como exemplo um mito recentemente surgido, a ideia de que o brasileiro nunca desiste: “Fulano é brasileiro e não desiste nunca!” Nada mais falso: é claro que há muitos brasileiros que nunca desistem de nada (e alguns se tornam inconvenientes por isso), além de haver muitas pessoas que nunca desistem e não são brasileiras; mas dizer que, por ser brasileiro, alguém nunca desiste, é um pouco forçoso... Não parece lema ou slogan criado como parte de estratégia comercial?
Não apenas parece, como é; e é também mais um dos muitos mitos que se criaram na cultura brasileira, formando ao lado da suposta amabilidade e do sex appeal natos dos brasileiros, da democracia racial, da crença de que “Deus é brasileiro” ou de que tudo é permitido abaixo da linha do Equador etc.
Calma, leitor... O tema deste artigo, de fato, não é folclore, mitos ou crendices populares ou criadas pela mídia; trato aqui da história real de um brasileiro que, de fato, nunca desistiu: André Gondim.
Não o conheci pessoalmente; aliás, só soube de sua existência após sua morte. Em dezembro de 2011, eu acabara de instalar em meu computador o Linux Mint, sistema operacional baseado em GNU/Linux (ou simplesmente Linux, como é mais conhecido), e navegava pela Internet em busca de informações e dicas sobre o uso deste e outros sistemas Linux. Cheguei, então, ao blogue “Aprendendo e compartilhando no Ubuntu” (http://andregondim.eti.br/ - atualmente inativo), mantido por André Gondim, e vi, logo na entrada, uma nota de falecimento, com o título “sudo apt-get install descanse-em-paz-guerreiro”, postada ali por um amigo.

Procurei mais informações sobre ele e fiquei impressionado com o trabalho desse rapaz, que, a despeito dos problemas de saúde que enfrentou, deixou importante obra como um dos principais colaboradores e representantes, no Brasil, do sistema operacional Ubuntu, o mais conhecido dos sistemas operacionais baseados em Linux e um dos mais usados no mundo.
André Gondim Pereira nasceu em Campina Grande, Paraíba, em 1982. Mudou-se ainda na infância para Rondônia. Aos 13 anos, voltou a residir na Paraíba e, aos 21, transferiu-se para Porto Alegre, RS, em busca de tratamento de saúde – sofria de fibrose cística e acabou por submeter-se a transplante de pulmão, em 2008. Ainda no hospital, André postou em seu blogue uma mensagem de fé e esperança.
O transplante trouxe novo alento a André Gondim, que no mesmo ano se casou e continuou, com ainda mais afinco, dedicando-se ao trabalho e ao software livre. Em fins de 2011, porém, o órgão transplantado sofreu rejeição, e André não teve tempo de submeter-se a novo transplante, falecendo no dia 3 de novembro daquele ano. Tinha 29 anos.
André tomou contato com a informática aos sete anos, mesma época do diagnóstico de sua doença, e veio a tornar-se, como dito acima, um dos principais conhecedores do Ubuntu; seu blogue foi, por vários anos, fonte de aprendizado para muita gente que se iniciava no Ubuntu e no software livre.
A morte de André Gondim Pereira constituiu grande perda para a comunidade de usuários de Linux no Brasil, o que se demonstra pela repercussão que teve na mídia especializada e até em outros veículos, como o jornal Folha de S. Paulo. Mas seu exemplo, sua obra e seus ensinamentos persistem e sem dúvida continuarão no coração dos que o conheceram e daqueles que beberam de seu conhecimento.
André Gondim dedicou sua vida ao software livre e ao Linux, assuntos de que foi grande conhecedor; dedicou também suas horas vagas à difusão desse conhecimento, sem pedir nada em troca. Foi, de fato, um brasileiro que não desistiu nunca. Verdadeiramente um exemplo a ser seguido.
“Bonum certamen certavi, cursum consumavi, fidem servavi.”
(“Eu combati o bom combate, terminei a carreira, mantive a fé.”) – II Timóteo IV, 7.

2 comentários:

  1. Merecida homenagem ao André. Também o conheci (virtualmente) por conta do Ubuntu, e sempre o admirei. Sei que ele está num lugar de paz e luz.

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