sexta-feira, 19 de maio de 2023

Rapidinha #13

Explorar petróleo é bom ou ruim? Ora, depende de quem está fazendo isso.
Se os outros estão explorando o petróleo, isso é sempre ruim, pois o petróleo é poluente, causa impactos ambientais, condena o país à "maldição do petróleo" etc.
Mas se nós é que estamos explorando o petróleo, isso não é apenas bom, é ótimo — mesmo que seja na Amazônia.

Privilégio reencarnatório

Há algum tempo, Xuxa Meneghel concedeu entrevista a Taís Araújo. A certa altura da conversa, a Rainha dos Baixinhos disse que gostaria de renascer como mulher negra numa próxima vida.
Por que a loira tinha de dizer isso? “Quem essa branca pensa que é para querer ser negra?” — foi mais ou menos o que se disse em reação ao desejo expresso por Xuxa, cuja fala causou revolta em algumas pessoas, e o assunto foi inevitavelmente discutido na Internet, como ocorre com as costumeiras, efêmeras e infrutíferas polêmicas ou tretas das redes sociais, sendo esquecido mais tarde. Normal.
A repercussão do assunto na época mostrou que o conceito de “lugar de fala” é mais amplo do que parece, pois abrange não apenas o momento atual, mas também hipotéticas vidas futuras — no que a maioria das pessoas diz não acreditar.
Não sei qual a religião de Xuxa Meneghel, mas inegavelmente ela crê na sobrevivência do espírito, na vida após a morte, na pluralidade das existências, nas vidas sucessivas… Em suma, ela com certeza crê na REENCARNAÇÃO, isto é, na possibilidade de uma pessoa morrer e, depois de algum tempo, renascer em outro corpo, numa existência nova e diferente da anterior.
As religiões abraâmicas — judaísmo, cristianismo, islamismo (pelos menos em suas correntes majoritárias e dominantes) — não reconhecem a possibilidade de reencarnação, que é aceita por outros sistemas religiosos ou espiritualistas, um dos quais o espiritismo francês ou kardecista (ou simplesmente espiritismo), que tem a imortalidade do espírito e as existências sucessivas como dois dos seus princípios basilares.
Segundo o espiritismo, o ser humano tem uma parte imortal, que sobrevive à morte e guarda a essência do indivíduo: é o espírito, que reencarna ou renasce, vivendo existências sucessivas com o fim de evoluir. Nesse contexto, o espírito não tem cor, não tem etnia, não tem sexo, não tem gênero, não tem orientação sexual, não é cis nem trans, não é rico nem pobre, nem nobre ou plebeu, nem ocidental ou oriental, nem nortista ou meridional, não tem idioma nem religião.
Assim, quem hoje é branco, já foi negro e voltará a ser negro; quem hoje vive como mulher, já viveu como homem e viverá outra(s) existência(s) masculina(s); o heterossexual de hoje possivelmente já foi homossexual numa existência anterior e talvez renasça de novo como homossexual; e assim por diante em relação à orientação sexual, à transexualidade, à língua, à religião etc. Estas são condições circunstanciais, efêmeras, transitórias, sejam biológicas ou culturais, que o espírito vivencia em suas reencarnações e cuja memória ele acumula em sua individualidade como bagagem existencial.
De acordo com essa doutrina, portanto, não há nenhum impedimento a que Xuxa Meneghel ou qualquer outra pessoa branca possa vir a renascer como pessoa negra, ameríndia, asiática, aborígene, mestiça, e nada impede que qualquer outra pessoa possa reencarnar sob qualquer outro fenótipo, sexo, orientação sexual etc., seja qual for. As possibilidades são muitas e dependem também das contingências de cada momento e situação.
Uma dessas contingências é o estoque humano disponível.
As estatísticas demográficas atuais mostram que a população europeia está diminuindo, e noutros países ricos, como Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Japão e Coreia do Sul, o crescimento populacional tem diminuído seu ritmo. Ao mesmo tempo, a Índia ultrapassou a China como país mais populoso, enquanto a Indonésia e o Paquistão, juntos, têm mais de meio bilhão de habitantes. Já a África é o continente cuja população cresce mais rapidamente: a Nigéria já tem população maior que a do Brasil e deverá ter cerca de 400 milhões de habitantes em 2050.
Os dados demonstram, portanto, que a população branca de origem europeia tende a diminuir e tornar-se minoritária em relação aos demais grupos humanos; assim, cada vez mais a reencarnação como ser humano não branco será o mais frequente, e reencarnar como branco será um "privilégio" cada vez mais raro.
Aceitando-se ou não isso, nessa perspectiva a realização do desejo de Xuxa Meneghel é apenas uma questão de tempo... e tempo é coisa que os espíritos têm de sobra.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Todo mundo odeia o Chris...

(Foto: Internet.)

Só um tapinha não dói... Dói, sim!
Numa realidade alternativa, durante a cerimônia do Oscar de 2022, quem deu um tapa em Chris Rock foi Tom Hanks, que não gostou nadinha da piada que Rock fez sobre a atriz Rita Wilson, esposa de Hanks.
Imaginem só: um branco dando um tapa na cara de um negro em pleno palco do Oscar. Inaceitável! Um absurdo!
Aí sim a repercussão do tabefe mais famoso da história da Academia de Cinema de Hollywood seria da pesada! E, naquela realidade alternativa, foi mesmo...

Só sabes que nada sabes

(Foto: Internet.)

Anote aí a nova moda:
Se você não sabe de algo, se desconhece alguma informação, o motivo é:
1. Você foi enganado (por alguém que você acha que lhe deveria ter dado essa informação); ou
2. Houve desprezo pela informação (não a buscaram, não a pesquisaram, por isso você não sabe).
A culpa de não saber algo nunca será sua — mesmo que se trate do nome da personagem principal de um romance que o professor pediu que você lesse, mas você não o fez porque achou chata a leitura; ou do significado daquela palavra, que você poderia ter procurado num dicionário, mas não o fez por preguiça. 🙄
Ou é o caso daquela canção que você não sabia que é traduzida ("Pensando nela", "Não chore mais", "Erva venenosa", "O astronauta de mármore", "Vou de táxi"...); a informação está no encarte do CD e do disco de vinil, mas ninguém avisou que você deveria ler o encarte do disco para saber isso. 😱
Não se preocupe, você é totalmente inocente de tudo... pois existe uma conspiração eterna e universal para que você não saiba aquilo que deveria saber.
As redes sociais nos ensinam cada coisa bacana! (E principalmente esta: o conspiracionismo não tem fim.)

sábado, 13 de maio de 2023

Apotegma #15

Nunca perguntes a uma dama sua idade, nem a um cavalheiro se ele toma viagra.

Apotegma #16

Nunca residas perto demais de teus parentes, para que eles não te visitem todos os dias; nem residas muito longe deles, para que não se demorem junto de ti quando te visitarem.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Clipping

(Imagem: Internet.)

No fim dos anos 1980, o dono (seria hoje o CEO?) de uma fábrica metalúrgica de São Paulo, quando caminhava pelos corredores dos escritórios da empresa, sempre recolhia algum clipe para papel que encontrava no chão. "Isto é dinheiro" — dizia.
Alguns empregados gaiatos jogavam clipes no chão, escondiam-se e riam a valer vendo o patrão se agachando para apanhá-los.
Enfim... a vingança do proletariado contra a opressão do capitalismo.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Machado de Assis: capacitista?

A discussão sobre alterações em trechos de livros de Monteiro Lobato, Roald Dahl, Ian Fleming e Agatha Christie, acusados de ferir a sensibilidade dos leitores por meio de frases tidas como preconceituosas, traz-me à memória aquele trecho do capítulo XXXIII de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", quando o narrador Brás Cubas comenta, após reparar no coxear* de Eugênia (a que ele faz alusão no capítulo anterior):

"O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita?"

Na lógica dos leitores sensíveis, parece que nem o cultuado Bruxo de Cosme Velho, maior glória da literatura nacional, escapou disso. Ninguém é perfeito...
Seria isso demonstração de capacitismo do autor? Insensibilidade e falta de consciência de classe de um homem negro e epilético? Ou estaria ele, em sua obra, mostrando a vida como ela é por meio de uma personagem vil, desprezível, asquerosa, infame, mas ainda assim tão parecida com muita gente com que convivemos todos os dias? Ou talvez parecida com nós mesmos?
Um erro cada vez mais arraigado hoje é o de confundir personagens ou o narrador de uma obra de ficção com o próprio autor da ficção. Há personagens racistas na obra de Machado de Assis; quer isto dizer que Machado era racista?
Estropiarão também a obra de Machado de Assis para evitar ferir a sensibilidade dos pobres leitores? Terão muito trabalho, a começar por esse livro que cito aqui, pois as personagens dele não são rasas, mas complexas, como são todos os seres humanos, e nisso reside o gênio do autor.
Mas talvez queiram edulcorar as personagens e trechos para que o texto machadiano se torne leve como um conto de fadas dos dias de hoje... Daí sairiam, com certeza, ótimos roteiros para filmes da Disney!
Ou talvez não se faça nada. Quem lê Machado de Assis hoje em dia? E quem o lê com vontade e prazer? Uma coisa é usá-lo como figura de luta política e racial, esfregando a negritude de Machado (e de Cruz e Sousa, Lima Barreto, João do Rio, Mario de Andrade...) na cara da "elite branca, macha, heterossexual e cis"; outra bem diferente é enfrentar sua obra sem a obrigação da leitura escolar.
Se a coisa rolar mesmo, estou aqui à disposição para fazer a revisão do texto, após a dilapidação dele, pois trabalho é trabalho. Pagando bem, que mal isso tem? Às favas com os escrúpulos, desde que ao vencedor sobrem as batatas — ou pelo menos algum cachê pela revisão textual.
Já a minha coleção completa de Machado de Assis ficará bem guardada, e nela ninguém porá a mão.

* Observação: coxo = manco; coxear = mancar.

Coletivo universitário

O trajeto é curto, mas usar o ônibus da universidade às vezes nos propicia experiências curiosas e dignas de observação.
Sempre se acha alguma coisa dentro do veículo, por exemplo. Além de garrafas vazias de água e embalagens de guloseimas, já achei até um par de meias dentro do ônibus; e, recentemente, ao me sentar num dos assentos, vi no chão algo muito esquisito. A julgar pela aparência meio escurecida e encarquilhada, pensei que um morcego tinha entrado no ônibus, morrido dentro dele e se mumificado ali. Mexi naquilo com a ponta do guarda-chuva e verifiquei que era apenas uma casca de banana ressecada.
Tentar entrar no veículo já propicia a observação da vida como ela é. Não se formam filas nas paradas do circular universitário, mas sim bolos de gente que se amontoam em frente à porta do ônibus quando ele para, formando um funil para embarcar nele. Chegar cedo não é garantia de entrar primeiro e tomar um assento vazio. Não raro alguém chega quando o carro já está parado e com os passageiros entrando, e na maior caruda se enfia entre o povo e embarca antes de quem já estava lá. Fura o funil! E sob os protestos de... ninguém. A palavra “fila” deve estar em falta nos dicionários de muita gente.
Geralmente eu chego um pouco antes da saída do ônibus e entro nele por último, mesmo que tenha sido um dos primeiros a chegar ali. Deixo que todos entrem e depois entro eu, mesmo que fique em pé. Pressa para quê?
Acho que causo certa estranheza a alguns alunos, que talvez me olhem com curiosidade. Tenho o dobro da média de idade deles e estou sempre com meu crachá visível. Poucos servidores usam o ônibus da universidade, pois muitos deles têm carro, e talvez os alunos me vejam ali como um tipo de espião ou olheiro da instituição… (Ou pareço eu um barnabé fracassado?) A falta de confiança em quem tenha mais de 30 anos parece ainda estar valendo!
Há algumas semanas, entrei por último e vi um assento vazio no fundo do ônibus. No meio do corredor, um casal de estudantes: um dos membros do casal, sentado num banco; o outro, ao lado e em pé, com uma mochila enorme nas costas e abraçado a quem estava sentado. O corredor estava quase totalmente bloqueado. Com o carro já em movimento e chacoalhando-se, cheguei perto da dupla e disse: “Com licença”. Sem resposta. Repeti com mais ênfase: “Com licença!”. Nada. Estava diante de uma rocha, uma coluna ali plantada. Fiquei nas pontas dos pés, espremi-me como pude e passei quase deslizando sobre o mochilão. Acho que nem perceberam.
(Nas costas de algumas pessoas, mochila parece corcova, que num camelo ou dromedário tem sua utilidade, dada pela natureza.)
Sentei-me no banco vago no fundo do ônibus e fiquei observando o casalzinho ali no meio do corredor, no maior “love”, numa “nice”, ambos alheios ao entorno, e um deles atravancando a passagem.
Logo me veio à mente isto: aquele indivíduo não sobreviveria um dia no transporte coletivo de São Paulo.
Fiquei imaginando alguém bloqueando daquele jeito o corredor de um ônibus da linha Perus-Pinheiros, ou da linha Horto Florestal-USP, ou Jardim Míriam-Vila Gomes, ou Penha-Lapa, Lapa-Socorro, Socorro-Limão, Jardim das Oliveiras-Parque D. Pedro II, Capelinha-Praça da Bandeira…
Seria comido vivo.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Etenílson comenta: #SotaqueProibido

Nunca pensei que chegaríamos ao ponto de uma pessoa, depois de diversas críticas infundadas, vir a público pedir desculpas por seu sotaque e por ter nascido onde nasceu.
As redes sociais são mesmo uma zosta, uma grande zerda!
Ao saber disso, meu amigo Etenílson, que veio do planeta Xistê para estudar nossa(s) cultura(s), ficou inconformado.
"Mas as línguas terrestres e suas variedades não são todas equivalentes, legitimas e com as mesmas capacidades e direitos? É o que dizem os linguistas de vocês" — disse Etenílson, cheio de razão.
"Sim, você está certo" — disse eu. "Mas é que alguns dialetos e sotaques têm menos direitos que os outros..."